sábado, 13 de julho de 2013

Nü Wa, a criadora dos homens( Mitologia chinesa )





lenda de Pan Gu, o criador do Universo, conta que apos a morte de Pan Gu, o seu espirito deu origem a humanidade. Existe, no entanto, uma outra lenda que relata ter sido Nü Wa, uma bondosa e gentil deusa, a criadora da humanidade, tendo também sido ela quem, trabalhando exaustivamente em desafio, remendou o céu que tinha sido destruído - contribuindo assim largamente para a sobrevivência e felicidade da raça humana. Esta historia prossegue do seguinte modo:

Apos a união do Universo, a deusa Nü Wa encetou longas viagens por todas as partes mais recônditas do firmamento e da terra. No majestoso céu, o sol, a lua e as estrelas competiam em esplendor; no poderoso mundo, altas montanhas, longos rios, luxuriante vegetação, viçosas arvores, alegres animais, cantoras aves, irrequietos peixes, enfim... tudo, aparentava vigor e pujança. A deusa sentiu-se rejubilante com tudo quanto viu, todavia, sentiu ainda haver algo de insuficiente. Sim, era ainda necessário criar um ser que fosse mais inteligente que tudo e todos, capaz não só de trabalhar, mas também de comandar e administrar o mundo. Por mais perfeito que fosse o universo, por maior variedade de espécies vivas que tivesse o mundo, era essencial criar um elo de ligação entre todas as coisas através de raça humana. Dando asas à sua imaginação criadora, a deusa Nü Wa modelou a sua própria imagem uma serie de figurinhas de aspecto humano, dando-lhes os dons do movimento e da fala.



Satisfeita com a sua concepção, a deusa decidiu esmerar-se e prosseguir com o seu trabalho, e assim, passado pouco tempo, um grupo de figurinhas humanas de ambos os sexos surgiu na sua frente, cantando e pulando alegremente.

A deusa deu as figurinhas o nome genérico de "homens", que realmente veio a designar todo o ser vivo que normalmente se mantem e se locomove em uma posição ereta. Se bem que a deusa Nü Wa não parasse de fazer mais e mais figurinhas em uma tentativa sobre-humana de povoar o vasto território terrestre com homens dotados de poder de fala e de movimento, por mais esforços que fizesse a sua capacidade de fabrico seria sempre pequena em proporção a imensidão do planeta, vindo os homens a sentirem-se demasiadamente sós e dispersos em sua superfície. Apos ela ter trabalhado afincadamente dias seguidos, o em número de pessoas que se encontravam dispersas no mundo continuava bastante reduzido. Cansada, veio-lhe de repente a mente uma ótima ideia. Partindo um caniço de uma montanha, atou a uma das suas extremidades uma grande pedra. Segurando-a na extremidade do lado oposto, e depois colocando entre ela e a pedra de permeio um monte de barro, a deusa começou a rodar velozmente o caniço tal como se fosse uma criança saltando a corda. Oh, inesperado milagre! Imediatamente, os pedaços do barro que o caniço desprendia com a sua rotação, se transformavam em energéticos homenzinhos, mal tocavam o solo. Tratava-se realmente de um método mais econômico e eficaz! Incessantemente, uns apos outros, milhares de homens foram assim produzidos, vindo-se a dispersar pelos quatro cantos do mundo, adequadamente povoando a terra inteira. Depois, e para que a humanidade não se extinguisse, a deusa Nü Wa concebeu regime de casamento entre homens e mulheres - de modo que estes pudessem se amar mutuamente, estabelecerem famílias e procriarem-se. Por isso, os povos da antiguidade chamavam Nü Wa de a "casamenteira santa" ou de a "deusa do casamento".


Pan Gu, o Criador do Universo(Mitologia Chinesa )





muitos e muitos anos atrás, antes do principio do céu e da terra, o Universo constituía uma confusa massa negra que se assemelhava a um grande ovo, dentro do qual se encontrava em crescimento e dormia a sono solto um gigantesco embrião, chamado Pan Gu.

Passados cerca de 18 mil anos, Pan Gu começou a acordar. Quando, finalmente, abriu os olhos e se pôs a olhar em volta, descobriu que tudo era tão negro que não conseguia distinguir nada. Isto o aborreceu muito, tanto que, acabando por ficar enraivecido, abriu a palma da sua enorme mão e, brandindo o seu possante braço, desferiu um violento golpe na confusão negra que o rodeava.

Craque! O ovo estalou com um colossal estrondo, fragmentando-se a negritude que se encontrava estática e condensada nele há centenas de milhares de anos. Na sucessão deste acontecimento, os elementos que eram mais leves subiram lentamente para as alturas e dispersaram-se gradualmente, acabando por se transformar no azul do céu, enquanto que os mais pesados e turvos desceram vagarosamente para as profundezas, transformando-se na terra. De pé, entre o céu e a terra, Pan Gu respirou, então, profundamente, sentindo-se agora muito à vontade e prazenteiro.


O céu e a terra estavam finalmente separados, contudo, Pan Gu, tendo receio de que eles viessem a juntar-se de novo, resolveu sustentar o céu com os seus braços levantados, calcando firmemente a terra com os seus pés. Entretanto, o corpo de Pan Gu crescia tão rapidamente que atingia em media três metros por dia, e o céu e a terra distanciavam-se, assim, quotidianamente, cerca de três metros. Passados 18 mil anos, o céu tinha atingido colossais alturas e a terra tinha-se tornado extremamente compacta. Entretanto, por mais estranho que possa parecer, Pan Gu tinha crescido descomunalmente. Mas, afinal, qual era agora a altura de Pan Gu? Dizia-se que tinha ultrapassado 45 mil quilômetros. Tinha-se realmente transformado em um extraordinário gigante que tocava o céu com a cabeça e tinha os pés firmemente assentes na terra.

Fora justamente graças à força divina de Pan Gu, que o céu e a terra tinham sido criados, e era agora devido a sua interposição, que estes se mantinham separados, não havendo jamais o perigo de virem a juntar-se de novo. Se bem que a original confusão negra tivesse desintegrado completamente e não fosse mais do que uma memoria do passado, Pan Gu tinha ficado tão exausto na sua grandiosa obra de criação, que não tardou a morrer de cansaço.


Apos a criação do céu e da terra, Pan Gu tinha imaginado poder vir a criar um brilhante e esplendoroso mundo sobre o qual pairassem o sol e a lua, revestido por montanhas, rios e toda uma variedade de coisas, habitados pelos homens e demais seres vivos. Infelizmente, devido à sua morte prematura, não pode realizar esse seu grandioso plano, mas, antes de dar seu ultimo suspiro, ainda teve alento para metamorfosear partes do seu corpo moribundo.

O seu hálito transformou-se em brisa, nas nuvens e nos nevoeiros do céu, e a sua voz no estrondo dos trovoes.

O seu olho esquerdo transformou-se no sol resplandecente que ilumina a terra, o seu olho direito na lua brilhante, e os seus cabelos e bigodes na minada de estrelas do firmamento.

Os seus quatro membros e tronco transformaram-se em cinco maciças montanhas - quatro perdendo-se nas extremidades de leste, oeste, sul e norte do planeta, situado no centro do universo.

O seu sangue transformou-se em impetuosos rios que passaram a sulcar a crosta terrestre, e os seus tendões, em caminhos que intercomunicam todos os pontos do globo.

Os seus músculos transformaram-se em terras férteis, e os seus dentes, ossos e tutano, respectivamente, em perolas, jade e inesgotáveis recursos minerais subterrâneos.

Os pelos do seu corpo transformaram-se na relva e nas arvores que abundam, disseminadas por todo o mundo, e o seu suor, na chuva e na garoa que são o alimento de todas as plantas.

Em resumo, se bem que a criação do universo se devesse inteiramente aos esforços divinos e ao espirito de abnegação do gigante Pan Gu, a maravilhosa variedade, exuberante riqueza e intima beleza deste mundo, são produtos do seu corpo.

Conta-se ainda que a raça humana gerou-se a partir da sublimação da alma do grande gigante, o que significa serem todos os seres humanos descendentes de um antepassado comum: Pan Gu. Não é de estranhar que a humanidade, enquanto espirito do universo, tenha sido capaz de - graças a sua superioridade - controlar tudo quanto existe na superfície da terra, de arrasar montanhas, de modificar o curso de rios e mesmo de transformar a Natureza de uma maneira mais benéfica, duradoura e propicia ao prospero futuro de todos os seres humanos.


terça-feira, 9 de julho de 2013

Lenda do Mapinguari





O Mapinguari é uma Lenda derivada de algumas Lendas dos Índios da Região Amazônica. Os caboclos contam que dentro da floresta vive o Mapinguari, um gigante peludo com um olho na testa e a boca no umbigo. Para uns, ele é realmente coberto de pelos, porém usa uma armadura feita do casco da tartaruga, para outros, a sua pele é igual ao couro de jacaré. Segundo esta Lenda, alguns índios ao atingirem uma idade mais avançada evoluiriam e transformariam-se em Mapinguari e passariam a habitar o interior das florestas passando a viver apenas no seu interior e sozinhos. Há também quem diga que seus pés têm o formato de uma mão de pilão. O Mapinguari emite um gritos semelhantes ao grito dado pelos caçadores. Se alguém responder, ele logo vai ao encontro do desavisado, que acaba perdendo a vida. A criatura é selvagem e não teme nem caçador, porque é capaz de dilatar o aço quando sopra no cano da espingarda. Os ribeirinhos amazônicos contam muitas histórias de grandes combates entre o Mapinguari e valentes caçadores. O Mapinguari sempre leva vantagem e os caçadores que conseguem sobreviver, muitas vezes ficam aleijados ou com terríveis marcas no corpo para o resto de suas vidas. Há quem diga que o Mapinguari só anda pelas florestas de dia, guardando a noite para dormir. Quando anda pela mata, vai gritando, quebrando galhos e derrubando árvores, deixando um rastro de destruição. Outros contam que ele só aparece nos dias santos ou feriados. Dizem que ele só foge quando vê um bicho-preguiça.

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Panteão Celta


Os celtas não misturavam panteões de outras culturas e nem cultuavam Deuses celtas de outras tribos, apesar das semelhanças, cada ramo celebrava seus Deuses locais seguindo apenas as referências das tradições pertencentes a sua terra natal, com exceção de algumas divindades pan-célticas.

As Deusas e os Deuses celtas possuíam características próprias e distintas, conforme seus atributos. Relatos vindos de antigos ancestrais nos esclarecem que as tradições eram passadas de boca a ouvido, centrados nas esferas do Céu, da Terra e do Mar!

A seguir, alguns dos principais Deuses Celtas e suas tradições.
Mitologia Irlandesa

- Áine: Deusa do amor, da fertilidade e do verão. Rainha dos reinos feéricos dos Tuatha de Danann, conhecida como "Cnoc Áine" (Monte de Áine) é a soberana da terra e do sol, associada ao solstício de verão, às flores e as fontes de água. Áine (Enya) - filha de Manannán Mac Lir - representa a luz brilhante do verão. Como uma Deusa solar, podia assumir a forma de uma égua vermelha.



- Angus Mac Og / Oengus: Deus da juventude, do amor, da beleza e da inspiração poética, um Tuatha de Danann. Era filho de Dagda e Boann e, assim como o pai, possuía uma harpa mágica, que produzia um som doce e irresistível. Foi associado à "Brugh na Bóinne" (Newgrange - Irlanda). Angus se apaixonou por uma linda jovem do Sídhe, mas somente a via em sonhos. Essa é uma lenda que faz parte do Ciclo Mitológico Irlandês, conhecida como: o Sonho de Oengus.

- Badb: Deusa da guerra, dos campos de batalha e das profecias. Era conhecida como: o Corvo de Batalha ou a Gralha Escaldada. Com suas irmãs, Macha e Morrighan, formava um trio de Deusas guerreiras, as filhas da Deusa-mãe Ernmas, que morreu em "A Primeira Batalha de Magh Turedh", conto que descreve como os Tuatha Dé Danann tomaram a Irlanda dos Fir Bolg. Badb rege a morte, a sabedoria e a transformação.



- Bilé: Considerado o pai dos Deuses e dos homens. Companheiro de Dana e pai de Dagda, o principal líder dos Tuatha Dé Danann. Alguns mitos dizem que ele era o antepassado dos Milesianos, último grupo de soldados liderados por Mil Espáine, que invadiram a Irlanda na época de Beltane e derrotaram os Tuatha de Danann. Bilé é o Deus do Outro Mundo, considerado o "primeiro ancestral", associado às fogueiras da purificação. Na tradição irlandesa "Bilé" significa "Árvore Sagrada", que pode representar uma árvore real ou um ponto de referência central a um local religioso ou altar.

- Brigit / Brigid / Brighid / Brig: Deusa reverenciada pelos Bardos, tanto na Irlanda como na antiga Bretanha, cujo nome significa "Luminosa, Poderosa e Brilhante". Brighid, a Senhora da Inspiração, era filha de Dagda, associada à Imbolc e as águas doces de poços ou fontes, que ficam próximos às colinas. É a Deusa do fogo, da cura, do lar, da fertilidade, da poesia e da arte, especialmente a dos metais. Brighid também é uma Deusa guerreira, conhecida como "Bríg Ambue", a protetora soberana dos Fianna. Brighid era consorte de Bres e mãe de Ruadan, que foi morto ao espionar os Fomorianos. Ela sentiu profundamente a morte do filho, dando origem ao primeiro lamento poético de luto irlandês, conhecido como keening.



- Boann / Boand / Boyne: Deusa que deu nome ao rio Boyne, na Irlanda, descrito nos poemas "Dindshenchas" - lendas relacionadas à origem dos nomes dos lugares sagrados da Irlanda - do Ciclo Mitológico Irlandês e na lenda do "Salmão da Sabedoria". É mãe de Angus Mac Og com o grande Dagda. Era esposa de Nechtan ou Echmar, que fez uma viagem de apenas um dia e uma noite quando, na verdade, a viagem durou nove meses. Dagda usou seu poder para esconder o adultério de Boann. É a Deusa da fertilidade, da abundância e da prosperidade.

- Cailleach: É a Deusa da terra e das rochas, diz a lenda que ela criou os morros e as montanhas a sua volta, ao atirar pedras em um inimigo. Na mitologia irlandesa e escocesa é conhecida também como a "Cailleach Bheur", que significa mulher velha, às vezes, descrita de capuz com o rosto azul-cinzento. Geralmente é vista como a Deusa da última colheita (Samhain), dos ventos frios e das mudanças, aquela que controla as estações do ano, a Senhora do inverno.

- Dagda: Deus da magia, da poesia, da música, da abundância e da fertilidade. No folclore irlandês, Dagda era chamado de "O Bom Deus", possuía todas as habilidades sendo bom em tudo, "Eochaid Ollathair" (Pai de todos) e "Ruad Rofhessa" (Senhor de Grande Sabedoria), considerado mestre de todos os ofícios e senhor de todos os conhecimentos. Consorte de Boann, teve vários filhos, entre eles Brighid, Angus, Midir, Finnbarr e Bodb, o Vermelho. Dagda tinha um caldeirão mágico, o Caldeirão da Abundância, que nunca se esvaziava e uma harpa de carvalho chamada "Uaithne", que fazia com que as estações mudassem, quando assim o ordenasse. Além disso, tinha um casal de porcos mágicos que podiam ser comidos várias vezes e que sempre reviviam, bem como, um pomar que, independente da estação, dava frutos o ano todo.

- Dana / Danu / Danann: Considerada a principal Deusa Mãe da Irlanda e do maior grupo de Deuses, os Tuatha Dé Danann, o Povo de Dana ou o Povo Mágico (Daoine Sidhe), a tribo dos seres feéricos. A Terra de Ana (Iath nAnann), às vezes, é identificada como Anu ou Ana, seu nome significa "Conhecimento". Era consorte de Bilé e mãe de Dagda. Em Munster, na Irlanda, Dana foi associada a dois morros de cume arredondados, chamados de "Dá Chich Anann" ou "Seios de Ana", por se parecem com dois seios. É a Deusa da fertilidade, da terra e da abundância.

- Dian Cecht / Diancecht: Deus da cura foi o grande médico e curador dos Tuatha Dé Danann, responsável pela restauração do braço de Nuada por um outro braço de prata. Diancecht era irmão de Dagda e teve vários filhos, entre eles Airmid, Etan, Cian, Cethé, Cu e Miach. Seu nome significa "Rápido no poder".

- Erin / Eriu: Filha de Fiachna e Ernmas, descrito no Lebor Gabála Érenn (Livro das Invasões). Junto com suas irmãs Banba e Fotla, Erin era uma das três rainhas dos Tuatha Dé Danann, que deu seu nome à Irlanda, através de uma promessa feita por Amergin, após a invasão dos Milesianos.

- Flidais: Deusa da floresta, dos bosques, da caça e das criaturas selvagens, representa a força da fertilidade e da abundância. Viajava numa carruagem puxada por cervos e tinha uma vaca mágica que dava muito leite. Seu nome significa "Doar", elucidado no conto de "Táin Bó Flidais" - O Roubo do Gado de Flidais. Tinha o poder de se metamorfosear na forma de qualquer animal.

- Goibniu / Goibhniu: Era o grande ferreiro, construtor e mestre da magia. Goibniu, junto com Credne e Luchta, formavam os três artesãos divinos, conhecidos como os "Trí Dé Dána". Foi quem forjou todas as armas dos Tuatha Dé Danann e criou o novo braço para o rei Nuada. Suas armas sempre atingiam o alvo e a ferida provocada por elas, era fatal. Deus dos ferreiros, das habilidades culinárias e do trabalho com metais em geral.

- Lir / Lear: No folclore irlandês, Lir era o Deus do mar, considerado também, o Senhor do submundo (o mundo dos ancestrais), da magia e da cura. Lir era pai de Manannán Mac Lir e das crianças Fiachra, Conn, Fingula e Aod, que foram transformadas em cisnes por causa do ciúme da sua madrasta Oifa, nos contos do Ciclo Mitológico Irlandês, conhecido como: O Destino dos Filhos de Lir.

- Lugh / Lug / Lugus: Um dos grandes heróis da mitologia irlandesa, Lugh era filho de Cian (neto por parte dos Dananns de Dian Cecht) e de Ethniu, filha de Balor, rei dos Fomorianos. Uma profecia dizia que Balor seria morto por seu neto. Para evitar esse destino, mandou dar fim nos netos, mas Lugh sobreviveu e foi criado por Tailtiu, sua mãe adotiva. Sua festividade é Lughnasadh, a festa da primeira colheita. Ficou conhecido como "Lugh Lámfada" - Lugh dos braços longos e "Lugh Samildanach" - Lugh, o artesão múltiplo. Lugh é o Deus dos ferreiros, cujo domínio incluía a magia, as artes e todos os ofícios em geral, seu nome significa "Luz" - belo como o Sol. Guardião da espada mágica e da lança invencível, vinda da cidade de Gorias, um dos quatro tesouros dos Tuatha Dé Danann.

- Macha: Deusa da fertilidade e da guerra, filha de Ernmas, junto com as irmãs Badb e Morrighan, podia lançar feitiços sobre os campos de guerra. Após uma batalha os guerreiros cortavam as cabeças dos inimigos e ofereciam a Macha, sendo este costume chamado de a "Colheita de Macha". É a Deusa dos equinos, que durante a gravidez foi forçada a uma corrida de cavalos. Quando chegou ao final, entrou em trabalho de parto e deu à luz a gêmeos. Antes de morrer, Macha colocou uma maldição sobre os homens da província para que em tempos de opressão e maior necessidade, eles sofreriam dores como as de um parto.

- Manannán Mac Lir: Filho de Lir, também é considerado um Deus do mar e do Outro Mundo, homenageado como uma das principais divindades marítimas pelos irlandeses e reverenciado como protetor dos marinheiros. Viaja pelo mar muito mais rápido que o vento em um barco mágico puxado por um cavalo chamado Enbharr, que significa "Espuma de água". Mestre na mudança de forma, Manannán era uma divindade popular entre os Bardos e todos aqueles que praticavam a adivinhação. Quando os Dananns foram derrotados pelos Milesianos, foi Manannán quem os levou à "Terra da Juventude", Tir na nÓg, através de colinas subterrâneas, o Sídhe. Ele tinha uma armadura que dizia ser impenetrável e uma capa mágica do esquecimento e da invisibilidade.

- Morrigu / Morrigan / Morrighan: É a Grande Rainha "Mor Rioghain", na mitologia irlandesa, da tribo dos Tuatha Dé Danann. Senhora da Guerra, possuía uma forma mutável e o poder mágico de predizer o futuro. Reinava sobre os campos de batalha e junto com suas irmãs Badb e Macha eram conhecidas pelo nome de "Três Morrígans", relacionadas à triplicidade que, para os celtas, significava a intensificação do poder. Associada aos corvos, ao mar, as fadas e a guerra, além da associação à Maeve, rainha de Connacht, casada com o rei Ailill e a Morgana, das lendas arthurianas. Podia mudar sua aparência à vontade, como em um lobo cinza avermelhado. Nos mitos relacionou-se com Dagda e apaixonou-se pelo grande herói celta, CuChulainn, que despertou toda sua fúria, ao rejeitá-la. Deusa da morte e do renascimento, da fertilidade, do amor físico e da justiça.

- Nuada: No folclore irlandês, era reverenciado como rei e grande líder dos Tuatha Dé Danann. Possuía uma espada invencível, vindo da cidade de Findias e que fazia parte dos Tesouros de Dananns. Na primeira Batalha de Magh Turedh perdeu o braço ou a mão, órgão que foi restituído, mas fez com que ele perdesse o trono da tribo. Ficou conhecido como "Nuada, Braço de Prata" ou "Nuada, Mão de Prata". Nuada era o Deus da vida e do renascimento, irmão de Dagda e Dian Cecht.

- Ogma / Oghma: Deus da eloqüência, da vidência e mestre da poesia que, na tradição irlandesa, segundo o "Livro de Ballymote", foi quem inventou o alfabeto oracular "Ogham", utilizado pelos antigos Druidas, baseado em árvores sagradas. Ogma, meio-irmão de Dagda, Bres e Lugh, era um guerreiro, retratado como um ancião com sorriso no rosto, vestindo casaco de pele e carregando um arco e bastão.

- Scathach / Scatha / Scath: Seu nome significa a "Sombra", aquela que combate o medo. Deusa guerreira e profetisa que viveu na Ilha de Skye, na Escócia. Ensinava artes marciais para guerreiros que tinham coragem suficiente para treinar com ela, pois era dura e impiedosa. Considerada a maior guerreira de todos os tempos foi a responsável por treinar CuChulainn.

Mitologia Galesa

Para um melhor entendimento, devemos observar que o termo Galês se refere aos povos que habitavam o País de Gales.

- Arawn: É o rei de Annwn ou Annwfn (Outro Mundo), o submundo na tradição galesa, que é visto como um castelo sobre o mar "Caer Siddi" - Castelo de Fadas ou "Caer Wydyr" - Palácio de Vidro. Como Tir na nÓg, Annwn era um lugar de doçura e encanto. Arawn possuía um caldeirão mágico, descrito no poema do Bardo Taliesin, em "Os Espólios de Annwn", em que descreve a viagem de Arthur e seus companheiros, ao Outro Mundo, para resgatarem o Caldeirão da Abundância.

- Arianrhod: Era filha de Dôn e Belenos, irmã de Gwydion, seu nome significa "A Roda de Prata", a virgem que dá à luz os filhos Lleu e Dylan, depois de passar num teste de magia feito pelo seu tio, Math. Arianrhod é a Deusa das iniciações, da terra e da fertilidade, na tradição galesa. Senhora do renascimento, vivia num castelo estelar chamado "Caer Arianrhod", associada à constelação Corona Borealis, retratada nos contos do Mabinogion em "Math, filho de Mathonwy".

- Arddhu / Atho: O "Escuro" no folclore galês, que representa Green Man, o Deus da natureza - o Grande Corvo Divino - uma divindade que habitava as matas e as florestas. Deus dos bosques e animais, da fertilidade e da renovação. É representado por um homem com o rosto todo coberto por folhas verdes, descrito no romance Arthuriano em "Sir Gawain e o Cavaleiro Verde".

- Blodeuwedd / Blodeuedd: Foi feita a partir de nove tipos de flores silvestres, por Math e Gwydion, para ser a esposa de Lleu (filho de Arianrhod), que depois foi transformada em coruja por causa da sua traição contra o marido. Seu nome significa "Rosto de Flor", representada muitas vezes, como um lírio branco. Deusa do amanhecer nos mitos galeses, é retratada nos contos do Mabinogion em "Math, filho de Mathonwy".

- Bran: O "Abençoado", Bran era um dos grandes heróis do ciclo galês. Filho de Llyr, irmão de Manawydan e Branwen. Bran era um gigante, muito mais alto que uma árvore. Ao ser mortalmente ferido na coxa em um combate e, por ser muito grande, pediu que cortassem sua cabeça, que se manteve viva por algum tempo. Bran possuía o Caldeirão do Renascimento, com propriedades de restaurar a vida dos mortos. Associado aos corvos, Bran é o Deus da guerra, da caça e da música.

- Branwen: Era esposa do rei da Irlanda Matholwch, que foi punida pelo marido ao insultar o povo irlandês, mutilando seus cavalos. Branwen foi obrigada a trabalhar como copeira e da sua cozinha-prisão, treinou um estorninho para levar mensagens de volta ao País de Gales, descrevendo sua situação e pedindo ajuda. Bran liderou uma expedição para resgatá-la, mas foi ferido mortalmente e Branwen morreu de tristeza ao saber. Branwen é a Deusa galesa do amor, da soberania e da justiça, descrita nos contos do Mabinogion em "Branwen, a Filha de Llyr".

-Beli: É consorte de Dôn, conhecido também como Beli Mawr. Beli é um antigo Deus galês, considerado como um grande líder e o maior ancestral dos galeses. Corresponde a Belenus para os gauleses e Bilé para os irlandeses.

- Cerridwen / Ceridwen / Kerridwen: Esposa de Tegid Voel, o Calvo, mãe da linda donzela, Creirwy, Morvran e do feio rapaz, Afagddu. As lendas nos contam que Merlin pode ter sido o sucessor do Bardo Taliesin que, na forma de Gwyon, nascera de Cerridwen e se tornara um grande mago, após tomar, acidentalmente, algumas gotas da poção do conhecimento que Cerridwen preparava para o filho Afagddu, no Caldeirão da Inspiração, conhecido como Awen, descrito em "Taliesin". Por isso, os Bardos galeses chamavam a si mesmos de "Cerddorion", os filhos de Cerridwen. O caldeirão é um dos principais símbolos de Cerridwen, associado à fertilidade, a regeneração, a mudança de forma e ao renascimento.

- Dôn: A Deusa-mãe galesa é consorte de Beli, filha de Mathonwy e irmã de Math, nos contos do Mabinogion em "Math, filho de Mathonwy". Dôn era mãe de Amathon, Arianrhod, Gilvaethwy, Govannon, Gwydion e Nudd. É considerada Deusa da terra, da fertilidade e da abundância.

- Dylan: Filho das ondas do mar, o menino dos cabelos de ouro é o Deus do mar para os antigos galeses. Filho de Arianrhod, irmão gêmeo de Lleu e sobrinho de Gwydion. Seu símbolo é um peixe prateado, dos contos do Mabinogion em "Math, filho de Mathonwy".

- Gwydion: Filho de Dôn foi o grande Druida dos Deuses, mestre da magia e das ilusões. Regia as mudanças de forma, a poesia e a música. Gwydion era irmão de Arianrhod e provavelmente, pai dos seus filhos, Lleu e Dylan. Foi ele quem ajudou Lleu a superar as maldições da sua mãe, além de ajudar a criar uma esposa (Blodeuwedd) para o sobrinho, do Mabinogion em "Math, filho de Mathonwy".

- Modron: Deusa-mãe galesa, seu nome significa "Mãe". Modron era a mãe de Mabon, mencionado no conto de "Culhwch e Olwen". É a Deusa da terra e da fertilidade.

- Lleu: Era irmão gêmeo de Dylan, filho de Arianrhod, sobrinho de Gwydion e consorte de Blodeuwedd. Deus da terra, seu nome significa "Luz" e foi associado ao Sol, nos contos do Mabinogion em "Math, filho de Mathonwy".

- Llyr: Antigo Deus galês do mar, equivalente a Lir, o Deus irlandês do mar. Consorte de Penardun, filha de Dôn, é o pai de Manawydan, - descrito nos contos do Mabinogion em "Manawyddan, o Filho de Llyr" - Bran e Branwen.

- Mabon: Deus da juventude, do amor e das nascentes dos rios. Mabon era filho da Deusa Modron e de acordo com os mitos galeses, foi sequestrado de sua mãe, quando tinha apenas três noites de vida, conforme os contos do Mabinogion em "Culhwch e Olwen". É ele quem ajuda Arthur na caça ao javali com sua magia, após ser libertado de "Caer Loyw", o Castelo Brilhante.

- Rhiannon: A grande rainha dos galeses, Rhiannon era a protetora dos cavalos e das aves. É a Deusa dos encantamentos e da fertilidade, equivalente a Macha, na mitologia irlandesa e Epona, na mitologia gaulesa. Rhiannon teve seu filho roubado logo que ele nasceu e foi acusada, injustamente, por sua morte. O bebê foi achado, anos depois e restituído a sua mãe, que passou a chamá-lo de Pryderi, descrito nos contos do Mabinogion em "Pwyll, Príncipe de Dyfed".

Mitologia Gaulesa

O termo Gaulês se designa a um conjunto de povos celtas que vieram de Gales e povoaram a Gália, que atualmente, corresponde aos territórios que vão da França, à Bélgica e à Itália setentrional.

- Bel / Belenus / Belenos: Seu nome significa "Brilhante", é considerado o Deus do fogo e da luz, nos mitos gauleses. Belenos dá seu nome ao festival de Beltane e está relacionado às fogueiras que são acesas em colinas para promover a purificação. Foi associado à Beli na tradição galesa e a Bilé na tradição irlandesa.

- Cernunnos: Um dos mais antigos Deuses celtas, encontrado tanto entre os celtas continentais como os insulares. Deus da fertilidade, dos animais, do amor físico, da natureza, dos bosques e da abundância. Seu nome é pronunciado como se tivesse um "k" - Kernunnos. É representado por um homem sentado na posição de lótus, cabelo comprido, de barba, nu e usando apenas um torque (colar celta) no pescoço ou ainda por um homem de chifres, como no Caldeirão de Gundestrup, que tem os seguintes símbolos: um torque em sua mão direita e a serpente na mão esquerda, rodeado por um veado à sua direita e um javali à sua esquerda. Cernunnos é o Guardião do Mundo Verde, conhecido como Green Man.

- Epona: Deusa gaulesa protetora dos cavalos, seu nome significa "Cavalo". Foi representada montada num cavalo ou numa égua, rodeada por potros e cavalos. Epona é a Deusa da fertilidade, da maternidade, da abundância e dos animais, associada a proteção, prestígio e poder. Podemos identificá-la com Rhiannon, na tradição galesa, e Macha, na tradição irlandesa.

- Sucellus: Deus gaulês da fertilidade, da cura e das florestas. Considerado como o rei dos Deuses na mitologia gaulesa, seu nome significa "Atacante". Usava uma coroa de folhas na cabeça, acompanhado por um cão de caça e carregava um grande martelo, usado para bater na terra e acordar as plantas, anunciando o início da primavera.

- Taranis / Taranos: É do Deus do trovão e dos relâmpagos, na mitologia gaulesa. Dizem as lendas que Taranis cruzava os céus numa carruagem de fogo, produzindo raios através das fagulhas que saíam dos cascos dos cavalos e o ruído do trovão através das rodas da carruagem. Mestre da guerra, seu símbolo é a roda, e que junto com Teutates e Esus formavam uma tríade das principais divindades guerreiras da Gália.

Rowena Arnehoy Seneween ®
Retirado do livro Brumas do Tempo
Todos os direitos reservados.

Indicações aproximativas dos nomes em gaélico antigo: A pronúncia do Gaélico.

Referências bibliográficas:

BELLINGHAM, David - Introdução à Mitologia Céltica - Lisboa: Ed. Estampa, 1999.
GUEST, Lady Charlotte - The Mabinogion - Ed. Kinkley, 1887.
MACCULLOCH, J.A. - A Religião dos Antigos Celtas - Edinburgh: T. & T. CLARK, 1911.
MACKILLOP, James - Dictionary of Celtic Mythology, Oxford: 2004.
MONAGHAN, Patricia - The Encyclopedia of Celtic Mythology and Folklore - Facts On File: New York, 2004.
SQUIRE, Charles - Mitos e Lendas Celtas - Ed. Nova Era, 2003.

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Leshy, o espírito Senhor da Floresta

Leshy é o espírito Senhor da Floresta, protetor de toda vida selvagem, dos animais às arvores e arbustos. São também chamados de Lesy, Lesny, Lechy, Lesovy, Lesovik,Leshak , Lesun ou Leszy. Esses nomes tiveram origem do eslavo comum, significam "ele da floresta". Uma lenda diz que ele é filho de um demônio com uma mulher. Outra diz que ele tem uma família: sua esposa Leshachikha (Leszachka), e suas criançasLeshanki (ou Leshonky).

Geralmente aparece como um camponês alto que utiliza sapatos em pés trocados que não tem sombra. É capaz de mudar seu tamanho, desde uma lâmina de erva a uma árvore muito alta. Tem cabelos, sobrancelhas e barba feitos a partir da grama vivente e das vinhas. Tem a pele pálida e azulada por causa de seu sangue azul, contrastando com seus brilhantes olhos verdes. É freqüentemente representado em companhia de lobos cinzentos e ursos. Costuma carregar um pedaço de madeira para expressar que é o mestre dos vegetais. No Dictionnaire Infernal, é descrito como um demônio humanóide de pele azul, cabelos e barba verde e dois grandes chifres que carrega um porrete e um chicote.


É um espírito pernicioso que gosta de seqüestrar jovens, imitando vozes humanas conhecidas ou se transformando em animais dóceis. Dá indicações erradas a quem entra na floresta, mas viajantes espertos se livram dele vestindo suas roupas de trás para frente. No caso de um Leshy começar a correr atrás de alguém, é preciso fazer algo contra a floresta (iniciar um incêndio, por exemplo) para que o espírito se preocupe com outra coisa e esqueça da perseguição. Sua terrivel risada pelas árvores é a constatação de que alguém se perdeu e provavelmente, morreu. Seu choro é ainda pior e determina alguma maldade com seus protegidos.

Se por um acaso, alguém acabar ajudando um Leshy, o espírito ensinará vários segredos mágicos das florestas. Agricultores e pastores vivem tentando agradá-los. Adeptos do cristianismo diziam que era preciso entregar ao Leshy um crucifixo para que uma comunhão de paz (ou seu banimento) fosse realizada.

São inúmeras as ligações com o mito do Curupira no folclore brasileiro. Camuflagens militares que envolvem fantasias florestais com óculos noturnos são chamadas de Leshy Suit.






quinta-feira, 4 de julho de 2013

Vodyanoi

Vodyanoi

Os vodyanoi são seres (ou espíritos) masculinos hostis que vivem no fundo de lagos. São descritos como rãs do tamanho de focas com face humana ou como homens envelhecidos com barba esverdeada, cabelo comprido e ralo, corpo coberto de limo, algas e escamas negras, patas membranosas no lugar de mãos, cauda de peixe e olhos que queimam como carvões em brasa. Alguns contos chamam os vodyanoi de "povo do mar" ou "povo-peixe". Acredita-se que eles dividiam-se em castas de guerreiros e sacerdotes.

Esses seres também são acusados de serem os responsáveis pela destruição de represas e moinhos d'água. Pescadores, moleiros e apicultores fazem sacrifícios para apaziguá-los, colocando uma pitada de tabaco na água e dizendo "Eis aqui seu tabaco, Senhor Vodyanoi, agora dê-me um peixe".



Eles raramente vêm em terra, mas quando o fazem é para arrastar viajantes incautos para seu palácio de cristal aquático decorado com partes de barcos naufragados. Os humanos ou morriam afogados ou se tornavam seus escravos, passando a respirar debaixo d'água.

Nos contos tchecos, os afogados morrem e o vodník guarda suas almas em potes de porcelana que eles consideram sua riqueza. Caso um pote se abra, a alma escapa em forma de bolhas. Não há menção de uma habitação especial. Seus únicos servos são peixes.

"Vodyanoi" significa "aquático" e, em muitas línguas, é a palavra para o signo de Aquário. Também ser escrito vodnik, wodnik,vadzianik e vodenjak.

Rusalka

Rusalka



As rusalkas (em russo, o plural érusalki) são perigosas entidades femininas da água no folclore russo, geralmente consideradas espíritos de jovens mulheres que morreram afogadas ou de outra forma violenta. Mas o destino de uma rusalka pode ser desfeito caso sua morte seja vingada. Essa seria a única forma de libertar o espírito. Também é dito que crianças não-batizadas podiam se tornar rusalkas e só o batismo do espírito as salvariam.

No norte da Rússia, têm a aparência de mulheres nuas cadavéricas, com cabelos escuros como musgo e olhos que brilham com um maligno fogo verde. Ficam na água ou perto dela, à espreita de viajantes descuidados. Arrastam as vítimas para a água, onde as aterrorizam e torturam antes de matá-las. Viajantes espargem algumas folhas de losna (ou absinto) em qualquer coisa que uma rusalka possa querer roubar ou destruir.

Já no sul, aparecem como belas jovens pálidas e loiras em roupas leves com olhos sem pupila. Atraem suas vítimas cantando docemente nas margens dos rios, enquanto trançam seus longos cabelos. Quando a vítima entra n'água para encontrá-la, a rusalka a afoga com uma risada estridente e fatal. É possível que seja a origem do mito dasereia, mas se mistura aos mitos das ninfas gregas e da Banshee celta.

Para sair da água, as rusalkas precisam de um pente, com o qual podem conjurar água quando quiserem para manter o corpo molhado. Alguns dizem que sem o pente, elas secariam e morreriam.

Durante os meses de inverno, as rusalkas vivem no fundo da água, sob o gelo. No verão, principalmente na chamada Rusal'naia(Semana das Rusalkas, no início de junho), podem deixar a água sem seus pentes, tornando-se um grande perigo. Elas trepam aos galhos que pendem sobre a água e à noite, quando o luar ilumina a floresta, descem das árvores e dançam nas clareiras onde a grama cresce mais espessa e o trigo é mais abundante.

Na quinta-feira Rusal'naia, chamada velykden, as pessoas costumam trabalhar para não atormentar as rusalkas que vivem perto das casas que ficam próximas a lagos e rios. Se os espíritos ficam com raiva de alguma pessoa, podem arruinar as colheitas com chuvas torrenciais, rasgar redes de pesca, destruir represas e moinhos d'água e roubar roupas, linho e fios das mulheres humanas (como os vodyanoi). Neste mesmo dia da semana, jovens mulheres fazem grinaldas com losna e alho para as rusalkas dizerem se elas conseguirão casar com homens ricos. Se conseguirem alguma resposta, não devem nadar até o fim do verão, ou serão afogadas e se tornaram uma rusalka.

Até os anos 1930, o enterro ou banimento ritual das rusalkas no final da Rusal'naiapermaneceu como um entretenimento comum.

Existe uma ópera tcheca chamada Rusalka que lembra muito a história da Pequena Sereia, de Hans Christian Andersen.

* A palavra rusalka referia-se originalmente às danças de roda das jovens na festa de Pentecostes (mais conhecida, no Brasil, como festa do Divino Espírito Santo).

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Baba Yaga



 Um viúvo se casou com uma mulher muito malvada, que odiava a filha dele. Um dia, estando sozinha com a enteada, a madrasta lhe ordenou: “Vá até a casa de minha irmã e peça emprestado um carretel de linha”. A irmã da madrasta era Baba Yaga Pernafina, a bruxa que morava na floresta, numa cabana sustentada por pernas de galinha. Quando a menina chegou lá e pediu o carretel, Baba Yaga falou: “Vou procurar em meus guardados. Enquanto isso, teça um pouco para mim”. A filha do viúvo se pôs a tecer, e um segundo depois ouviu a bruxa ordenar à empregada: “Ferva água e dê um banho em minha sobrinha, pois quero comê-la no café da manhã”. Esforçando-se para não perder a calma, a menina esperou a criada aparecer na varanda e lhe suplicou que não fervesse a água; em troca lhe deu um lindo lenço de cabeça. Pouco depois Baba Yaga ordenou ao gato: “Arranque os olhos de minha sobrinha”. O gato, porém, ganhou da menina um pedaço de presunto e lhe deu um pente e uma toalha. “Fuja”, falou. “Se perceber que Baba Yaga está em seu rastro, jogue essa coisa para trás”. A filha do viúvo saiu correndo. Os cachorros da bruxa a seguiram


 arreganhando os dentes, mas ela os acalmou com um pouco de pão. Chegando ao portão, só conseguiu abri-lo depois de despejar algumas gotas de óleo nas dobradiças. Ao sair, viu-se presa nos galhos de um velho pinheiro; afastou-os com determinação e os amarrou com uma fita para que a deixassem passar. Enquanto isso o gato trabalhava no tear. “Você está tecendo?”, Baba Yaga perguntava a todo instante, lá de dentro. “Sim, titia”, o bichano respondia. Desconfiada, a bruxa foi ver o que estava acontecendo navaranda. Ao constatar que a menina escapara, bateu no gato sem dó nem piedade. “Você nunca me deu sequer uma espinha de peixe, mas sua sobrinha me presenteou com um pedaço de presunto”, disse ele. Espumando de raiva, Baba Yaga bateu na empregada, nos cachorros, no portão, no pinheiro, e todos afirmaram que sua sobrinha os tratara muito melhor que ela. Cansada de ouvir a mesma história, a bruxa montou seu pilão mágico como se fosse um corcel e, usando o socador como açoite


 partiu ao encalço da fugitiva. A menina percebeu sua aproximação e jogou para trás a toalha, que no mesmo instante se transformou num rio caudaloso. Mais furiosa ainda, pois não podia atravessar aquela torrente, Baba Yaga voltou para casa, reuniu seus bois e mandou que bebessem toda a água do rio. Feito isso, passou para o outro lado e continuou em sua feroz perseguição. Ouvindo-a bufar em seu rastro, a fugitiva jogou para trás o pente, que se converteu numa densa floresta. Estimulada pela raiva, a bruxa tratou de abrir caminho com os próprios dentes, roendo troncos e galhos,
 De nada lhe valeu o esforço, pois, quando conseguiu sair da floresta, a menina já estava em sua casa, com a porta bem trancada. Depois disso o viúvo expulsou a esposa malvada e viveu em paz com a filha até o fim de seus dias.



 Baba Yaga (em russo: Баба-Яга), é, no folclore eslavo, a mulher selvagem de idade; a bruxa, e amante da magia. Ela também é visto como um espírito da floresta, levando hostes de espíritos. É uma mulher velha e ossuda que viaja pelos céus montada em um almofariz. Os rastros que deixa, apaga com uma vassoura. Mora em uma casa móvel, com patas de galinha, cuja fechadura é uma boca cheia de dentes. Isaac Bashevis Singer descreveu Baba Yaga com um nariz vermelho arrebitado (apesar de alguns escritores comentarem um nariz azul), com narinas largas e ardentes, olhos em chama como carvão em brasa e com cardos a sair do crânio em vez de cabelos. Singer referiu também a existência de babas menores e de pequenos demônios chamados dziads.
 outra fonte


Baba Yaga era uma bruxa bem sugestiva: velha, com nariz de gancho, muita magra a ponto de seus ossos serem salientes, olhos chamuscados como carvão em brasa e com cabelos de cardo saindo do seu crânio. Essa aparência repugnante caia como uma luva com seu aspecto sombrio e sua personalidade caótica, cercada de mistérios e incertezas. Uma das suas características principais, e uma das mais assustadoras, era que ela, apesar de ter uma vassoura, voava em um almofariz impulsionado por um pilão! A única utilidade de sua vassoura era a de apagar seus rastros, evitando ser encontrada. Outra característica marcante e bastante peculiar é o fato dela morar em uma casa que tem como base quatro enormes pés de galinha! Esses pés a auxiliavam a viajar pelo mundo afora, se instalando assim em diversas florestas obscuras o bastante para sua figura enigmática. A origem dessas "pernas de galinha" é de fácil dedução: muitos caçadores siberianos mantinham suas casas erguidas em bases de tronco, assim poderiam evitar a invasão de animais perigosos. Alguns pesquisadores também descobriram que algumas dessas casas eram utilizadas como crematório. Vai saber né? A casa de Baba Yaga era conectada com três cavaleiros distintos: o primeiro, branco, cavalgando um cavalo branco, se chamava Dia; o segundo, vermelho, com um cavalo vermelho, se chamava Sol; e por fim o terceiro, negro, também com sua montaria negra, chamado Noite. Fora eles, a casa possuía servos invisíveis. Algumas lendas dizem que para adentrar a casa era necessária uma frase mágica.

terça-feira, 2 de julho de 2013

Morgana Le Fay




Morgaine Le Fay ou Morgana Le Fay, sendo conhecida na Grã-Bretanha como Morgana das Fadas, dentre outros nomes, aparece nas histórias do Rei Artur. O nome Morgaine tem origem celta e quer dizer mulher que veio do mar. Pode-se escrever Morgaine ou Morgan. Morgaine também é muito conhecida na Itália por um fenômeno chamado Fata Morgana, traduzindo Fada Morgana. As lendas baseadas nos contos do Rei Arthur acreditam que Morgana foi uma sacerdotisa da Ilha de Avalon, na Bretanha, meia-irmã de Arthur. É filha de Igraine, e Gorlois, Duque da Cornualha.

Morgana é treinada por sua tia Viviane na Ilha de Avalon para se tornar a Senhora do Lago ou como também é chamada Dama do Lago ou Senhora de Avalon. Morgana teve um filho de Arthur depois de um ritual sagrado (Beltane). Essa criança se chamava Gwydion, que após ir para a corte de Arthur toma o nome de Mordred. Mais tarde este seria um dos inimigos de Arthur. Mordred e Arthur matam um ao outro em um duelo pelo direito de ser o Grande Rei.
Morgana leva Arthur para Avalon, porém, ele morre ao avistar as praias da ilha sagrada. A lendária espada Excalibur é jogada no lago (em algumas histórias, o Rei Arthur, ferido em combate, é levado para a Dama do Lago a uma Avalon mística do além, paralela a real, onde Artur permanece retirado do mundo e para sempre imortal.

Depois a Ilha de Avalon se desliga quase por completo do mundo. E a Bretanha cai numa era negra nas mãos dos saxões.

Tylwyth Teg são “O Povo das Fadas”





Os Tylwyth Teg são “O Povo das Fadas”. São seres não humanos da mitologia Galesa ou Celta que vivem no “Outro Mundo” onde o tempo é diferente, podendo passar séculos humanos em um dia apenas do “Outro Mundo”.
Esse mundo fica em algum lugar depois do véu da realidade e suas portas encontravam-se nas florestas de carvalho galesas onde os Druidas (antigos sacerdotes celtas), rendiam seus sacrifícios e venerações.
Aparecem geralmente sob a forma de pequenos seres alados que cantam belas canções exaltando a natureza, o festival da colheita, equinócios, etc.



O respeito dos Celtas pelo Povo Tylwyth Teg é tamanho que o próprio Rei Arthur teria se convertido, após a morte, em membro honorário da raça. Por isso, várias lendas a seu respeito continuaram a ser contadas relatando seus feitos em outro mundo e suas aparições entre os vivos.

Dentre os Tylwyth Teg (o Povo Belo), existe uma classe de seres aparentados aos elfos nórdicos, chamados Ellyllon, são pequenos e gostam de comer fungos e cogumelos. A Fada Morgana das lendas Arthurianas é sua Rainha perpétua.A seguir duas histórias sobre o Povo Belo que o ajudarão a entender como eles são vistos pela mitologia Celta (que é bem diferente das fadinhas de Disney)…



As Fadas do Vento

O Povo Belo é igualzinho ao Povo Humano, bom e mau alternadamente.

Tudo começou no dia em que uma mulher perversa maltratou um cão na floresta. Ao verem isso, as Fadas desceram até ela e, agarrando-a pelos cabelos, suspenderam-na no ar.

- Quer voar acima, no meio ou abaixo dos ventos? – disse a Fada líder.

A mulher, calculando o risco e tentando ser esperta disse:

- Por baixo, por baixo


Então as Fadas arrastaram-na horas a fio pelos arbustos espinhosos, até a desgraçada ficar com a pele toda feita em tiras.

O Tempo passou e, certo dia, a prima da megera esfolada ia voltando da igreja quando encontrou o cão que a outra maltratara, que estava totalmente desnutrido e à beira da morte.

A mulher recolheu-o, tratou do animal e com todo carinho o devolveu à boa saúde e forma.

As Fadas apareceram também para esta mulher com proposta cujo teor trazia a mesma trapaça:

- Você quer um estábulo sujo e velho ou um estábulo novo e limpo?

A mulher, realmente inteligente, optou pelo velho e sujo, supondo que este certamente teria animais dentro. Dito e feito, se tornou a maior criadora de gado da região.

Esta foi uma história de como as Fadas recompensaram aquela amiga da natureza.

Mas a maldade também poderia se fazer presente.O Retorno de Robin

Quando Robin Mereddyd caminhava pela floresta ouviu o canto lindo de um pássaro (na verdade uma Fada) e decidiu sentar-se à sombra de uma árvore frondosa para ouvir a bela melodia.

Adormeceu e acordou já de noite.

Tomando o rumo de sua casa, ao levantar-ser percebeu que a árvore estava podre e ficou muito estarrecido já que ao sentar-se não se lembrava daquela situação.

Ao chegar em casa deparou-se com um velho, com um cajado na mão.

- Quem é você e o que faz aqui? – perguntou o velho.

- Eu é quem pergunto. Eu sou Robin Mereddyd e sempre habitei nessa casa.

O velho, tomado pelo espanto, pergunta:

- Você é Robin? O filho perdido de meu avô?

O velho então explicou ao jovem que ele era o seu sobrinho, e que o desaparecimento do jovem tio anos antes fora explicado por uma feiticeira como sendo provocado por Fadas.

- Então, estive todo o tempo em Outro Mundo?

O velho, apiedado, tomou Robin pela mão e introduziu-o na casa. Ao transpor a porta, porém, o velho sentiu a mão que segurava esfarelar-se e, ao voltar-se para o garoto viu que ele se convertera em uma melancólica pilha de pó no chão.


Dentre o Povo Belo existe uma classe de seres aparentados aos elfos nórdicos, chamados Ellyllon. Os elfos celtas, porém, apresentam algumas diferenças como possuírem o tamanho diminuto e se alijmentarem preferencialmente de fungos e cogumelos. Alguns acreditam que eles sejam governados por Gwydion (um mago poderoso), enquanto outros preferem acreditar que a Fada Morgana das lendas arturianas seja sua perpétua rainha.

A lenda seguinte conta as peripécias de um destes simpáticos seres das florestas (que a ótica cristã recém-instaurada tratou de converter, para fins de propaganda, numa encarnação do demônio).

Tudo começou no dia em que Tudur, um jovem criado de uma propriedade, levou o gado de seu patrão para empanzinar-se de pasto no Vale dos Elfos (Nant yr Ellilon).

Quando o dia estava acabando, Tudur preparou-se para voltar. Ao fazê-lo, porém, deparou-se com uma pequena criatura encarapitada em cima de uma pedra. A criaturinha era muito pequena e trajava vestes feitas com ramos de vidoeira. Na cabeça tinha um chapéu de flores, enquanto seus sapatos, feitos de asas de abelhas, resplandeciam, parecendo prestes a alçar o pequenino ser às alturas.

- Boa noite, camponês! Você gosta de dançar? – disse a criaturinha, com uma voz fininha à altura do seu tamanho.

Tudur não disse que sim, nem que não. Em vez disso, perguntou quem era a criaturinha, e se ele era, porventura, um músico.

- Sou o maior dos músicos, e logo irão chegar aqui os maiores dançarinos de toda Gales! – disse o Elfo.

- E pretende tocar o quê? – disse Tudur.

- Meu violino, é claro! – disse o ellyllon sacando seu instrumento debaixo do braço.

- Isso aí? disse Tudur, com desdém. – Esse seu violino não passa de um pedaço de pau!

No mesmo instante, começaram a surgir os bailarinos da floresta. Todos tinham o mesmo tamanho do pequeno elfo, e traziam vestes tão diáfanas quanto os sapatos do seu maestro.

Talvez por sua extraordinária leveza – ou, quem sabe, por se tratarem de entes incorpóreos, como bons seres sobrenaturais que eram – os ellyllon não vergavam uma única lâmina de grama ao pisarem no tapete verde da floresta.

Neste momento, o elfo violinista enganchou seu instrumento no queixo e começou a tirar os primeiros acordes de uma melodia absolutamente embriagadora. Os ellyllon se deram as mãos e formaram um círculo, pondo-se a dançar uma sarabanda alegre, com trejeitos de infinita graça.

Tudur sentiu, na mesma hora, uma vontade louca de entrar na dança, mas o medo das censuras azedas do pároco de sua aldeia o fez mudar de ideia.

- São todos servos do chifrudo! – dizia o pároco, noite e dia, ao populacho da aldeia, na tentativa de convencê-lo, de uma vez por todas, de que o velho deus Cernunnos das florestas, com seus galhos de alce projetados para o céu, não passava de uma personificação ecológica de Satanás.

- Vamos, tolo, venha! – disse o pequeno violinista, insistindo.

Então, a tentação foi mais forte e Tudur acabou por ir juntar-se à roda dos excomungados. Ele dançou como um perdido até perder o fôlego.

- Vamos, não pare maldito! – disse le ao ver o violinista suspender momentaneamente o arco.

Neste momento, um silêncio profundo desceu sobre a mata, e o pequeno elfo assumiu a forma negra do Tentador. Dos seus pés antes envolvidos pelos sapatos de assas de abelhas surgiram os cascos fendidos do Abominável Inimigo, enquanto dois chifres furavam o chapéu que antes recobria seus cabelos esverdeados. Os demais dançarinos se converteram em gatos negros e bodes imundos.

Nem por isso o pobre Tudur deixava de dançar, até o ponto em que se viu metido num círculo formado por criaturas horrendas, em meio a tenebrosas labaredas, e só foi parar de rodopiar quando o seu patrão o encontrou no dia seguinte, a girar sozinho, feito um pião.

- Meu patrão, em nome do Senhor, faça com que eu pare!

Diz a lenda que, no mesmo instante, Tudur parou de girar e foi cair desmaiado aos pés do seu patrão.

Desde então, o criado tornou-se um beato rezador e assustadiço e nunca mais quis saber de danças e festas.



segunda-feira, 1 de julho de 2013

O CAVALEIRO VERDE




Este célebre conto, contemporâneo dos romances de Cavalaria, e passado na Corte do Rei Artur, tem sido, segundo Schröer, autor de uma História da Literatura Inglesa,considerado "uma pérola da literatura romântica medieval, pois, embora a questão das fontes e dos possíveis modelos ainda sejam problemas sem solução detalhada, não há dúvida alguma quanto ao valor artístico da sua estruturação, de seus motivos, e das descrições tão cheias de vida. É poema que ainda hoje pode ser lido e relido, sem que o interesse do leitor diminua."


Nas antologias do conto inglês este trabalho aparece sob a indicação de Tradicional.


QUANDO Artur era rei da Bretanha e assim reinava, aconteceu, em certa estação invernosa, que êle realizasse em Camelot sua festa de Natal, com todos os Cavaleiros da Távola Redonda, durante quinze dias completos. Tudo era alegria, então, nos vestíbulos e nos aposentos, e quando chegou o Novo Ano foi recebido com grande regozijo. Ricos presentes foram dados, e muitos fidalgos e fidalgas tomaram lugar à mesa, onde a Rainha Guinever sentava–se ao lado do rei, e ninguém jamais vira senhora tão formosa diante de si. Mas o Rei Artur não quería comer nem sentar-se por muito tempo, enquanto não tivesse testemunhado alguma aventura prodigiosa. A primeira iguaria foi servida sob o soar das trombetas, e diante de cada hóspede colocaram doze pratos e vinho brilhante, para que de nada carecessem.


Mal se começara a primeira iguaria, quando entrou precipitadamente pela porta do vestíbulo um cavaleiro


— e devia ser o mais alto cavaleiro da terra. Tinha largas as costas e o peito, mas esbelta a cintura. Vestia-se inteiramente de verde, e suas esporas eram de ouro refulgente. Sua sela mostrava-se inteiramente bordada com pássaros e insetos, e o corcel que ele cavalgava era verde. Vestido de forma vistosa estava o cavaleiro, e sua barba verde, tal moita verde, pendia-lhe sobre o peito. A crina de seu cavalo estava enfeitada com fios de ouro e a cauda amarrada com uma faixa verde. Tal cavalo e tal cavaleiro jamais tinham sido vistos antes. Dava a impressão de que homem algum poderia suportar os golpes do Cavaleiro Verde, embora êle não trouxesse espada nem escudo. Numa das mãos mantinha um galho de azevinho e na outra um machado, cuja lâmina era afiada como a de uma navalha aguda, e cujo cabo era montado em ferro, curiosamente incrustado de verde.


Assim equipado, o Cavaleiro Verde entrou no salão, sem saudar quem quer que fosse, e perguntou pelo governante do grupo ali reunido, procurando em torno de si o mais famoso entre os demais. Muito maravilhados estavam todos por verem um homem e um cavalo verdes como a relva: jamais tinham tido antes semelhante visão. Tiveram modo de responder, e ficaram tão silenciosos como se o sono houvesse tombado sobre eles, alguns pelo medo, outros por cortesia. O Rei Artur, que jamais sentia medo, saudou o Cavaleiro Verde, e apresentou-lhe boas-vindas. O Cavaleiro Verde disse-lhe que ali não se demoraria, e que estava a procura do mais valente, a fim de experimentá-lo. Vinha com espírito de paz, mas também tinha em casa uma alabarda e um elmo. O Rei Artur assegurou-lhe que não deixaria de encontrar ali um opositor digno dele.


— Não procuro luta, — disse o cavaleiro, — pois aqui há apenas crianças imberbes, e não vejo homem que me possa enfrentar. Entretanto, se algum fôr ousado bastante para devolver um golpe com outro, este machado lhe pertencerá, mas eu terei de retribuir-lhe o golpe dentro de doze meses e um dia!


O medo manteve todos silenciosos, enquanto o cavaleiro rolava seus olhos vermelhos de um lado para outro, e franzia seus opulentos sobrolhos verdes. Sacudindo a barba enquanto falava, exclamou ele:


— Quê! Então esta é a Côrte do Rei Artur? Sem dú vida alguma, a fama da Távola Redonda tombou, com uma palavra saída dos lábios de um homem!


Artur ficou vermelho de vergonha e tornou-se encolerizado como o vento. Assegurou àquele cavaleiro que ninguém estava receando suas pomposas palavras, e apoderou-se do machado. O Cavaleiro Verde, afagando a barba, esperou o golpe,’ e, com uma atitude seca, despiu seu casaco verde.


Nessa altura, porém, Sir Gawayne implorou ao rei que o deixasse desferir o golpe. Pedia permissão para deixar a mesa, dizendo que não tinha propósito Artur aceitar o desafio, quando tantos cavaleiros ousados sentavam-se em torno dela. Embora fosse êle o mais fraco, estava pronto para um encontro com o Cavaleiro Verde. Os outros cavaleiros também suplicaram a Artur que "deixasse o jogo para Gawayne". Então Artur deu sua arma a Gawayne, que era seu sobrinho, dizendo-lhe que mantivesse o coração firme e a mão segura. O Cavaleiro Verde perguntou o nome de seu adversário, e Sir Gawayne disse-lhe seu nome, de-clarando que estava disposto a dar e receber um golpe.


— Agrada-me bastante isso, Sir Gawayne, — disse o Cavaleiro Verde, — isso de receber um golpe de teu punho, mas deves jurar que irás procurar-me para receber o golpe de retorno.


— Onde te encontrarei? — disse Sir Gawayne. — Dize–me teu nome e tua morada, e eu te irei ao encontro.


— Depois que me tiveres golpeado — disse o Cavaleiro Verde — hei de contar-te qual é meu nome e morada. Se de todo eu não falar, tanto melhor para ti. Agora, toma tua arma inflexível, e vejamos como feres.


— Com prazer, senhor, certamente — respondeu Sir Gawayne.


Então, o Cavaleiro Verde afastou para os lados seus caracóis longos e verdes, descobriu o pescoço, e Sir Gawayne feriu-o violentamente com o machado, decepando-lhe a cabeça com um só golpe. A cabeça caiu no chão, e muitos maltrataram-na rudemente, mas o Cavaleiro Verde não se perturbou. Adiantou-se, agarrou a própria cabeça pelos cabelos, e fêz a volta com o seu cavalo. Então — oh! — a cabeça ergueu as pálpebras, e dirigiu-se a Sir Gawayne:


— Olha, deves estar pronto conforme prometeste, e procurar até que me encontres. Vai à Capela Verde, para ali receberes um golpe/ na manhã do Ano Novo. Não faltes. Vem, ou serás chamado desleal.


Assim dizendo, o Cavaleiro Verde cavalgou para fora do aposento, com a própria cabeça na mão.


Então, Artur dirigiu-se à Rainha:


— Cara senhora, não desfaleças, pois maravilhas assim ficam bem numa festa de Natal. Agora, podemos comer. Sir Gawayne, pendura teu machado.


O rei e seus cavaleiros sentaram-se à mesa, festejando, com toda a classe de iguarias e toda a espécie de divertimentos, proporcionados pelos menestréis, até que o dia terminasse.


— Mas tem cuidado, Sir Gawayne! — disse o rei, ao fim da festa. — Não faltes à aventura com a qual te comprometeste!
II


Tal como nos outros anos, os meses e as estações daquele ano passaram bastante rapidamente, sem jamais voltar. Depois do Natal vem a Quaresma, a primavera cheia, e aguaceiros aquecidos se despejam. Então, os bosques tornam-se verdes, e os pássaros constroem seus ninhos e cantam a ale-gria, pois que o verão se seguirá. As flores começam a desa-brochar, e notas nobres são ouvidas nas florestas. Mais belas se faziam as flores com as doces brisas do verão, umede-cidas com as gotas de orvalho. Depois, porém, a colheita aproximou-se, levantando a poeira por toda a parte, as folhas tombaram das árvores, a relva tornou-se cinzenta, e tudo amadureceu e apodreceu. Por fim, quando os ventos hibernais tornaram a surgir, Sir Gawayne pensou na sua temerosa jornada, e em sua promessa ao Cavaleiro Verde.


No Dia de Todos-os-Santos, Artur realizou uma festa dedicada ao seu sobrinho. Depois da refeição, Sir Gawayne assim falou ao tio:


— Agora, senhor e suserano, despeço-me de ti, porque devo procurar, amanhã, o Cavaleiro Verde.


Muitos nobres cavaleiros, os melhores da Corte, aconselharam-no e confortaram-no, muita tristeza manifestou-se no pavilhão, mas Gawayne declarou que nada tinha a temer. Pela manhã, pediu suas armas. Um tapete foi estendido no chão, e sobre esse tapete êle pisou. Estava vestido com um gibão de seda de Tarso e usava um capuz muito bem feito. Colocaram-lhe sapatos de aço nos pés, envolveram-lhe as pernas em perneiras de aço, e colocaram-lhe a cota de malhas de aço, os bem polidos anteparos do raraço, as peças dos cotovelos, e as manoplas, enquanto sobre tudo aquilo era colocado o revestimento da armadura. As esporas foram então fixadas, a espada presa ao seu flanco com um cinturão de seda. Assim preparado, o cavaleiro ouviu missa, despedindo-se, depois, do Rei Artur e de sua Corte. Por aquela altura seu cavalo Gringolet já estava pronto, e seus arreios reluziam com o resplendor do sol. Então, Sir Gawayne colocou o elmo na cabeça, e o círculo em torno desse elmo era cravejado de brilhantes. Deram-lhe um escudo com o "pen-tângulo" em ouro puro, projetado pelo Rei Salomão como penhor da verdade, pois é chamado o vínculo infinito, e muito bem ficava em Sir Gawayne, cavaleiro dos mais verdadeiros no que dizia e dos mais belos na forma. Tinha perfeitos os cinco sentidos, a imagem da Virgem estava pintada em seu escudo, e jamais tivera falhas de cortesia. Assim, o vínculo infinito foi aplicado ao seu escudo.


Agora, Sir Gawayne agarra sua lança e diz adeus a todos. Esporeia seu cavalo e segue seu caminho. Todos quantos o viam choraram-no em seu coração, e declararam que sobre a terra não seria encontrado cavaleiro igual a êle. Teria sido melhor que se fizesse dirigente de homens, do que procurar a morte às mãos de um cavaleiro que se parecia aos duendes.


Entretanto, muitas e fatigantes milhas percorre Sir Gawayne. Agora, o cavaleiro cavalga através dos domínios da Inglaterra, sem outra companhia a não ser a de seu cavalo, e sem ver homem algum até que se aproximasse da Gales do Norte. De Holyhead passou para Wirral, onde poucos encontrou que amassem Deus ou o homem. Perguntou pelo Cavaleiro Verde da Capela Verde, mas não conseguiu obter notícias dele. Seu ânimo sofreu várias modificações antes que encontrasse a capela. Subiu muitos rochedos, cruzou muitos vaus e muitas torrentes, em toda a parte encontrava um inimigo. Seria cansativo contar a décima parte de suas aventuras com serpentes, lobos e homens selvagens, com touros, ursos e javalis. Não tivesse êle sido ao mesmo tempo bravo e bom, é sem dúvida alguma pereceria. O inverno rigoroso mostrava-se pior para êle do que qualquer das guerras em que tinha estado. Assim, através de perigos, viajou até a véspera de Natal, e pela manhã encontrou-se em floresta intrincada, onde havia centenas de velhos carvalhos. Ali, muitos pássaros tristes, pousados nos ramos despidos, pipilavam lastimosamente, sofrendo pelo frio. Através de péssimos caminhos e profundos atoleiros, ia êle, a fim de comemorar o nascimento de Cristo, e, persignando-se, diz:


— Cruz de Cristo, fazei-me rápido!


Mal acabara de se persignar pela terceira vez quando viu uma moradia na floresta, sobre uma colina, o mais belo castelo que jamais cavaleiro algum possuiu, e que brilhava ao sol através dos carvalhos luxuriantes.


Imediatamente, Sir Gawayne adiantou-se para o portão principal e encontrou a ponte levadiça levantada, bem como os portões trancados. Dali da margem observou as altas paredes de pedra talhada que se erguiam com seus parapeitos, torres e chaminés brancas. E grandes e brilhantes eram suas torres redondas, com seus capitéis bem construídos.


— Oh! — pensou êle — se eu ao menos pudesse entrar no claustro.


Chamou, e logo apareceu um porteiro para saber qual a mensagem do cavaleiro.


— Bom senhor, — disse Gawayne, — pede ao alto senhor desta casa que me conceda alojamento.


— Bem-vindo sejas para aqui morar enquanto te parecer bem — replicou o porteiro.


No mesmo momento a ponte foi descida, e o portão aberto amplamente para recebê-lo. Êle entrou, e seu cavalo foi bem instalado, enquanto cavaleiros e altos senhores rurais levavam Gawayne para o vestíbulo. Todos se precipitaram para tomar-lhe o elmo e a espada, o senhor do castelo deu-lhe as boas-vindas, e ambos cumprimentaram-se, bei-jando-se. Gawayne contemplou seu hospedeiro, e êle pareceu-lhe grande e ousado. De escuro tom de castor era sua ampla barba, e como fogo reluzia seu rosto.


O senhor conduziu Sir Gawayne para um aposento, designando um pajem para servi-lo. Naquela câmara luxuosa havia nobres instalações de leito. As cortinas eram de seda pura, com debruns de ouro, e tapeçarias de Tarso cobriam as paredes e o piso. Ali o cavaleiro livrou-se de sua armadura, vestiu-se com trajos ricos, que lhe ficavam muito bem. E, realmente, mais formoso cavaleiro do que Sir Gawayne jamais tinha sido visto.


Foi, então, colocada junto da latira uma cadeira para seu uso, e cobriram-na com um manto de linho fino, ricamente bordado. Uma mesa foi igualmente trazida, e o cavaleiro, depois de se ter lavado, foi convidado a sentar-se e comer. Serviram-lhe numerosos pratos, com peixe assado e grelhado, ou cozido e temperado com especiarias. Foi um completo e nobre banquete, e muito êle se divertiu, enquanto comia e bebia.


Então, Sir Gawayne, respondendo a uma pergunta de seu hospedeiro, disse-lhe que era da Corte do Rei Artur, e quando tal coisa foi conhecida houve grande alegria no vestíbulo. Cada qual dizia baixinho para seu companheiro:


— Agora veremos maneiras corteses e ouviremos nobres palavras, porque temos entre nós o pai de toda a instrução.


Depois do jantar o grupo foi para a capela, a fim de ouvir as orações vespertinas da grande temporada. O senhor do castelo e Sir Gawayne sentaram-se juntos durante o serviço religioso. Quando a esposa do primeiro, acompanhada de suas donzelas, deixou seu lugar após o serviço, parecia ainda mais bela do que Guinever. Uma dama mais idosa levou-a pela mão, e mostravam ambas aspectos muito diferentes, pois enquanto a mais jovem era clara, a outra era amarela, e tinha faces ásperas e enrugadas. A mais jovem possuía pescoço mais alvo do que a neve, a mais velha tinha sobrancelhas negras e lábios escuros. Com a permissão do senhor, Sir Gawayne saudou a mais velha e beijou cortesmente a mais jovem, pedindo-lhe que o considerasse como um servo seu. Para o grande vestíbulo foram eles, onde foram servidos especiarias e vinhos; o senhor tirou o capuz e colocou-o sobre uma lança: aquele que melhor concorresse para a alegria geral naquela temporada de Natal, ganhâ-lo-ia.


Na manhã do Natal a alegria reina em todas as moradas do mundo, e isso acontecia também no castelo onde Sir Gawayne agora vivia. O senhor e a velha esposa antiga sentavam-se juntos, e Sir Gawayne sentava-se ao lado da esposa de seu hospedeiro. Seria fatigante demais contar todos os banquetes, regozijos e alegrias que abundavam por toda a parte. Trombetas e trompas desatavam suas notas prazerosas, e grande foi o júbilo durante três dias.


O dia de São João era o último das festas de Natal, e no dia seguinte muitos dos cavaleiros despediram-se do castelo. Seu dono agradeceu a Sir Gawayne a honra e o prazer de sua visita, e empenhou-se para mantê-lo em sua corte. Queria saber, também, o que levara Sir Gawayne a sair da Corte do Rei Artur antes do fim dos feriados de Natal.


Sir Gawayne replicou qTfe fora "uma grande e muito alta missão" que o forçara a deixar a Corte. Depois, perguntou ao seu hospedeiro se já ouvira falar na Capela Verde. Porque precisava estar ali na véspera do Ano Novo, e antes preferia morrer do que falhar na sua missão. O príncipe disse a Sir Gawayne que lhe ensinaria o caminho e que a Capela Verde não ficava a mais de duas milhas do castelo. Então, Gawayne ficou alegre, e consentiu em retardar-se um pouco mais no castelo, o que causou regozijo também ao senhor castelão, que mandou chamar as senhoras para conversarem com seu hóspede. E pediu a Sir Gawayne que lhe prometesse conservar-se em seu quarto na manhã seguinte, pois devia sentir-se cansado depois, caso viajasse para tão longe. Entretanto, o hospedeiro e outros homens do castelo deveriam levantar-se muito cedo para se dirigirem à caça.


— Seja o que fôr — disse o hospedeiro — que eu consiga obter na floresta, seu será, e o que quer que aconteça ser seu, em seu lar, eu considerarei livremente como meu.


E, a título de penhor, deu um anel a Sir Gawayne, anel que êle não devia entregar a ninguém — não! — mesmo quando fosse pedido três vezes pela mais bela mulher existente sob o céu! Com tudo aquilo concordou prazerosamente Sir Gawayne, e assim, bastante animadamente, um contrato foi feito entre eles. Quando a noite chegou, cada qual dirigiu-se cedo para seu quarto.
III


Na manhã seguinte, bastante antes do amanhecer, todo o pessoal do castelo levantou-se, selou seus cavalos e amarrou os alforjes. O próprio nobre castelão preparou-se para a montaria, comeu rapidamente um bocado, e foi para a missa. Antes que clareasse o dia, èle e seus homens estavam a cavalo. Depois, os cães de caça foram chamados e emparelhados, três notas curtas foram sopradas nas trombetas, e cem caçadores seguiram para a caça. Para os seus postos dirigiram-se os espreitadores de gamos, os cães foram largados, e a caça começou, jubilosamente.


Alvoroçados pelo clamor, os gamos correram para as alturas, mas depressa foram forçados a retroceder. Permitiam que os veados e os cervos passassem, mas as cervas e corças eram obrigadas a recuar para a sombra. Ao correrem velozmente eram alvejadas pelas flechas dos arqueiros. Os cães e os caçadores, aos altos gritos, seguiam-nas, e as que escapavam às flechas eram mortas pelos cães. O senhor prosseguiu alegremente na caçada que durou até a aproximação da noite.


Durante todo esse tempo, Sir Gawayne tinha estado na cama, e só acordou ao ouvir os ladridos dos cães de caça, tornando a dormitar. Finalmente, sentiu que lhe batiam à porta, e um donzel entrou, pedindo-lhe que se levantasse e viesse fazer a refeição com sua senhora. Imediatamente êle se levantou, vestiu-se, colocou o belo anel em seu dedo, o anel que seu hospedeiro lhe dera, e desceu para cumprimentar a castelã.


— Bom dia, belo senhor, — disse ela, — vejo que gosta de dormir até tarde!


Isso disse ela, com um olhar risonho, como se realmente duvidasse ser aquele o Sir Gawayne que todo o mundo reverenciava, já que êle gostava mais ae dormir do que de caçar na floresta, com os cavaleiros, ou conversar com as damas, em suas saletas particulares.


— Para ser sincero, — respondeu Sir Gawayne, — a não ser este anel que tenho no dedo, nada há que eu deixasse de oferecer como penhor de meus serviços e de tua cortesia.


A senhora disse-lhe que se a verdadeira cortesia estivesse instalada nele próprio, nada conservaria êle — não, nem mesmo um anel! Mas Sir Gawayne lembrou a si próprio a palavra que dera ao castelão e também sua promessa ao Cavaleiro Verde. Disse que não podia entregar aquele anel, mas seria, para sempre, um verdadeiro servidor da castelã.


Deixemos agora Sir Gawayne e a senhora, e voltemos a contar como o senhor da terra e seus homens terminaram a caçada na floresta e na charneca. Dos mortos fizeram uma "presa" e começaram a esquartejar as corças, retirando a ordura e arrancando o couro. Quando tudo ficou pronto, eram comida aos cães e dirigiram-se para o castelo.


Imediatamente, ouvindo-os aproximarem-se, Sir Gawayne foi ao encontro de seu hospedeiro. Então, o senhor mandou que todo o pessoal se reunisse e o resultado da caça fosse trazido diante dele. Chamou Gawayne e perguntou–lhe se não merecia louvores pelo seu sucesso venatório. Quando o cavale«»o disse que jamais vira no inverno resultado mais brilhante, — não, naqueles últimos sete anos, — seu hospedeiro pediu-lhe que ficasse com tudo, segundo o entendimento havido entre eles na noite anterior. Gawayne, em retribuição, deu-lhe um gracioso beijo, e seu hospedeiro desejou saber se também ele tinha assim tanta fartura em sua terra.


— Ohl — disse Sir Gawayne — não me peças mais do que isto!


Com isso o castelão riu-se e foram todos cear, quando tiveram novos finos manjares, para comer e sobrar. Depois sentaram-se junto da lareira, enquanto serviam o vinho em derredor, e de novo Sir Gawayne e seu hospedeiro reiteraram seu contrato, como acontecera antes, e assim despediram-se, indo cada qual bem depressa para a sua cama.


Mal o relógio batera três vezes, pela madrugada, quando o senhor levantou-se, e, de novo com seus caçadores e trombetas em alto clangor, seguiu para a caça. Os caçadores animaram os cães, que os seguiam pelo faro, quarenta de uma só vez. Chegaram todos juntos ao lado de um rochedo, e procuraram por todos os lados, varejando as moitas. Delas saiu um furioso javali, que no primeiro arranco atirou três dos cães ao chão. Rapidamente, os caçadores se puseram a persegui-lo. Entretanto, êle atacava os cães, fazendo-os uivar e ganir. Os arqueiros atiraram suas setas contra aquele animal selvagem, mas elas perdiam-se, feitas em pedaços. Furiosa com os ataques, voltou-se a fera contra os caçadores. Então, o senhor da terra soprou sua trombeta, e perseguiu o javali.


Durante todo aquele tempo Sir Gawayne tinha estado na cama, como no dia anterior, segundo a promessa que fizera. E outra vez foi chamado quando dormitava, em horas já tardias, pela castelã que se queixava de sua falta de cortesia.


— Sir — disse ela — se fosses realmente Sir Gawayne, não poderias ter esquecido o que te <*isinei ontem!


— E que foi? — perguntou êle.


— O que eu te ensinei sobre dar; — disse ela, — e, contudo, não dás o anel, como a cortesia te obrigaria.


— Pobre é o presente — respondeu êle — que não é dado espontaneamente!


Então, a senhora tirou um anel de seu próprio dedo e pediu-lhe que o aceitasse.


— E eu ouvirei de ti — disse ela — algumas histórias de belas damas e de feitos de armas e proezas próprias de verdadeiros cavaleiros.


Sir Gawayne disse que não tinha habilidade para contar tais histórias, que não ficaria com o anel que ela lhe queria dar, mas que seria seu servo para sempre.


Entretanto, o senhor perseguia o javali, que mordera o traseiro dos cães, tirando-lhes pedaços, e fizera com que o mais robusto dos caçadores recuasse. Por fim o animal ficou exausto demais para continuar a correr e entrou no orifício de uma rocha, ao lado de um regato, a boca espumejante. Ninguém ousava aproximar-se dele, tantos tinham sido dilacerados pelas suas presas. O cavaleiro, vendo o javali acuado, desceu de seu cavalo, e tentou atacá-lo com sua espada. O javali atirou-se sobre o homem, que, fazendo boa mira, feriu-o no flanco, deixando que a fera fosse morta pelos cães.


Houve, então, toques de fanfarra e ladridos dos cães de caça. Um dos presentes, hábil nessa classe de trabalhos, começou a preparar o javali, cortando-lhe a cabeça. Deu de comer aos cães, e os dois pedaços da carcaça foram amarrados juntos e pendurados numa estaca. A cabeça do animal veio ser apresentada, então, ao castelão, que se apressou a tomar o caminho dc casa.


Gawayne foi chamado, quando os caçadores voltaram, para receber os despojos, e o senhor das terras manifestou-se prazeroso ao vè-lo. Mostrou-lhe o javali, e falou-lhe no tamanho e na força da fera. Sir Gawayne declarou jamais ter visto animal tão robusto, e, segundo ficara convencionado, recebeu-o de presente. Em retribuição, beijou seu hospedeiro, que disse ser seu hóspede o melhor que já conhecera.


Armaram altas mesas, cobriram-nas com toalhas, e tochas de cera foram acesas. Com muito júbilo e contentamento a ceia foi servida no vestíbulo. Depois de terem ali se divertido longamente, subiram para o aposento do andar superior, onde beberam e discursaram. Por fim, Sir Gawayne pediu licença ao anfitrião para se retirar na manhã seguinte, mas aquele jurou que seria necessário que êle ali ficasse, a fim de se dirigir à Capela Verde na manhã do Ano Novo, bem antes das matinas. Assim, Gawayne consentiu em permanecer ali por mais uma noite, e, tranqüilo e imóvel, dormiu durante todas as suas horas.


Logo pela madrugada o castelão levantou-se, depois da missa comeu um bocado com seus homens, para quebrar o jejum. Montaram todos nos cavalos que os esperavam nos portões do castelo, prontos para a caçada. A manhã mostrava-se clara e glacial quando eles partiram, e os caçadores, dispersados num dos lados do bosque, seguiram os traços de uma raposa, que ia perseguida pelos cães. Viam-na, agora, e atrás dela galopavam, através de muitos bosques, pequenos e intrincados. A raposa acabou por saltar por cima de um maciço de plantas, e tentou escapar aos cães meten-do-se por caminhos escabrosos. Chegou, porém, a um dos postos da caçada, onde foi atacada pelos outros cães. Entretanto, conseguiu escapar-lhes, atirando-se novamente para os bosques. Foi, então, um belo divertimento ouvir os cães e os gritos de animação dos caçadores, que tratavam a raposa de ladra, fazendo-lhe ameaças. Mas ela era astuta e levou-os a extraviarem-se, entre matagais e moitas.


Entretanto, Sir Gawayne, que fora deixado em casa, dormia profundamente, em seu leito de belos cortinados. Por fim, a castelã, vestida com um rico manto, veio ao quarto dele, abriu uma janela, e repreendeu-o:


— Ah! homem! como podes dormir quando a manhã está tão clara?


Sir Gawayne, quando foi assim acordado em sobressalto por ela, estava sonhando com sua próxima aventura na Capela Verde, mas levantou-se e cumprimentou a linda visitante. Ainda uma vez, como já fizera antes, ela quis receber algum presente através do qual pudesse recordá-lo quando o cavaleiro tivesse partido.


— Vamos, senhor, — insistia ela, — agora, antes de partir, faze-me esta cortesia.


Sir Gawayne disse-lhe que ela era digna de dádiva muito maior do que a que êle poderia fazer-lhe, pois não trazia consigo homem algum portando malas cheias de coisas preciosas.


Conseqüentemente, de novo a castelã ofereceu-lhe um anel de ouro, mas êle recusou-se a aceitá-lo, já que nada tinha para livremente oferecer-lhe em retribuição. Muito tristonha mostrou-se ela com aquela recusa, e, retirando o cinto verde que trazia, rogou-lhe que o recebesse. Gawayne recusou aceitar fosse o que fosse, mas prometeu que "no calor ou no frio, seria seu fiel servo".


— Recusas este cinto por ser muito simples? — disse a dama. — Quem conhece as virtudes que êle possui dá-lhe um alto valor. Porque quem usar este cinto não poderá ser ferido nem morto.


Ouvindo aquilo, Sir Gawayne pensou em sua aventura na Capela Verde, e quando a dama tornou a insistir para que êle aceitasse o cinto, não só consentiu cm recebê-lo, como também em manter a posse em segredo. Então, ela despediu-se. Gawayne escondeu o cinto, e em seguida apressou-se a ir para a capela, onde pediu perdão pelos delitos que porventura houvesse cometido. Quando voltou ao vestíbulo mostrou-se muito alegre junto das damas, com graciosas canções e toadas, a ponto de dizerem elas:


— Este cavaleiro nunca esteve tão alegre até hoje, desde que veio para o castelo!


Entretanto, o castelão ainda estava no campo, onde já matara a raposa. Observara-a vindo através de um bosque espesso e tentara atingi-la com sua espada, mas a raposa fora agarrada por um dos cães. O resto dos caçadores adiantava-se apressadamente, com muitas trombetas, pois aquele era o mais alegre dos encontros que já tinham ouvido. E levando a pele e a cauda da raposa, voltaram para casa todos eles. O senhor desmonta, por fim, em seu lar querido, onde encontrou Sir Gawayne divertindo as damas. O cavaleiro adiantou-se para êle, dando as boas-vindas ao seu hospedeiro, e, segundo o convencionado, beijando-o três vezes.


— Por minha fé! — disse o outro. — Fôste muitíssimo feliz! Eu cacei o dia inteiro e nada mais trouxe além da pele desta raposa imunda, pobre retribuição para três beijos como esses.


Contou-lhe, então, como a raposa fora morta. E com muito júbilo e o concurso dos menestréis, divertiram-se até a hora de se separarem. Gawayne despediu-se de seu anfitrião, agradecendo-lhe a esplêndida estada. Pediu um homem que lhe ensinasse o caminho para a Capela Verde, e deram-lhe um servo. Despediu-se das damas, beijando-as, tristonho, enquanto elas o encomendavam a Cristo. Retirou-se, então, agradecendo a todos pelos seus serviços e brandura de trato. Recolheu-se para repousar, mas pouco dormiu, pois precisava penlar muito no dia seguinte. Deixemo-lo ali deitado, imóvel por algum tempo, e eu vos contarei o que lhe aconteceu depois.
IV


Agora, aproxima-se o Dia do Ano Novo, e o tempo mostra-se tempestuoso. A neve tomba e o valezinho estreito cobre-se de profunda camada levada de aluvião. Gawayne, em sua cama, ouve o cantar de cada galo. Chama o camareiro e pede-lhe que lhe traga sua armadura. Homens limpam da ferrugem sua luxuosa cota de malhas e o cavaleiro pede seu corcel. Enquanto assim se vestia com seus ricos trajos, não se esqueceu do cinto, o presente da dama, mas com cie cingiu duplamente a cintura. Usava-o, não pelos seus finos enfeites, "mas para salvar-se quando se visse em contingência dolorosa". A toda a gente o castelo agradeceu ele amplamente, e logo ali estava o corcel Gringolet, ajaezado, pronto, e inquieto para partir. Sir Gawayne tornou a agradecer as honrarias e bondades com que fora distinguido por todos, e saltou para a sela, da pedra de montaria, dizendo:


— A Cristo recomendo este castelo! Que Ele lhe dê sempre boa sorte!


A seguir, abriram-se os portões do castelo, e o cavaleiro cavalgou para fora, fazendo seu caminho em companhia do gula. Cavalgaram através de caminhos pedregosos e de ro-chedos, onde cada outeiro estava usando um capuz de névoa e um manto de neblina, e quando o dia abriu inteiramente, encontraram-se "numa colina muitíssimo alta". Então, o guia solicitou a atenção de Sir Gawayne, dizendo-lhe:


— Trouxe-te até este ponto, e não estás longe do lugar que procuras. Êle é considerado muitíssimo perigoso, seu senhor é violento e severo, seu corpo é maior do que os dos quatro melhores cavaleiros da casa do Rei Artur. Ninguém passa pela Capela Verde sem receber golpe de morte dado pela mão dele. Trate-se de um campônio ou de um capelão, monge, padre ou qualquer outro homem, êle mata-os a todos. Há muito vive êle neste lugar, e contra seus golpes maléficos não te podemos defender. Portanto, Sir Gawayne, deixa em paz aquele homem, e vai para alguma outra região, e eu posso jurar-te solenemente que jamais contarei a ninguém que tentaste fugir de homem algum.


Gawayne respondeu que se furtar àquele perigo seria impor a si próprio a marca de cavaleiro covarde. Iria, pois, para a capela, embora aquele que ali era senhor fosse o mais cruel e o mais forte dos homens.


— Muito bem, — disse êle, — pode Deus projetar uma forma de salvar seus servos leais!


— Deveras — replicou o outro — e desde que te agrada perder tua vida, conserva teu elmo na cabeça e tua espada na mão, e cavalga por este caminho abaixo, que margeia até longe o rochedo, e chegarás ao fundo de um vale. Olha um tantinho para a esquerda, e verás a capela mesma, e o homem que lhe monta guarda.


Tendo assim falado, o guia despediu-se do cavaleiro.


— Pela graça de Deus — disse Sir Gawayne — jamais chorarei ou gemerei. Estou inteiramente disposto a curvar-me ante a vontade de Deus!


Assim, cavalgou através do valezinho e ansiosamente olhou em torno cie si. Entretanto, não viu sinal de lugar de descanso, mas apenas altas e escabrosas ribanceiras, enquanto a capela não era divisada em parte alguma. Por fim, viu uma colina, ao lado de um riacho. Para ali seguiu, desceu do cavalo, prendendo-o ao galho de uma árvore. Caminhou em torno da colina, procurando a capela e comentando consigo mesmo sobre onde poderia estar, quando, finalmente, chegou a uma antiga gruta cavada no íngreme penhasco.


— Realmente — pensou ele — que lugar selvagem, este. Próprio para o Cavaleiro Verde fazer suas devoções, à sua moda maldosa. Se esta é a capela, trata-se da mais desgraçada igrejola que já vi em minha vida.


Nessa altura, porém, ouviu grande rumor, que vinha de além do riacho. Soava como o afiar de uma foice na pedra de amolar, e zunia como um moinho d’água.


— Embora renuncie à minha vida, — disse Gawayne, — ruído algum há de me amedrontar.


E gritou, em voz bem alta:


— Quem mora aqui e deseja conversar comigo?


Então ouviu uma voz forte que lhe ordenava ficar onde estava, e depressa saiu de uma toca, com uma arma tremenda — machado dinamarquês, novo — o Cavaleiro Verde, vestido tal como Gawayne o vira havia muito tempo. Quando chegou ao riacho, saltou sobre êle, e, alongando os passos, veio ao encontro de Sir Gawayne, sem lhe fazer o menor gesto de saudação.


— Deus te guarde! — disse êle. — Como verdadeiro cavaleiro fizeste a tempo a tua viagem. Sabes o que ficou convencionado entre nós: no dia do Ano Novo deverias receber de minha mão um golpe, em troca do que me deste. Aqui, estamos sozinhos. Tira teu elmo e recebe já a tua paga.


— Por minha fé — respondeu Sir Gawayne — não te regatearei o cumprimento de teu desejo.


Exibiu, então, o pescoço nu, e parecia intrépido. O Cavaleiro Verde agarrou a temerosa arma e com todas as suas forças levantou-a no ar. Quando a lâmina descia, reluzente, sir Gawayne encolheu um nadinha os ombros, e então o outro censurou-o, dizendo-lhe:


— Não és o Gawayne tão estimado, pois recuas de medo antes que sejas tocado pelo mal. Eu não me desviei, quando me golpeaste. Minha cabeça foi tombar a teus pés, e ainda assim eu não me desviei. Devo, portanto, ser considerado melhor homem do que tu.


— Eu vacilei uma vez, — disse Gawayne, — mas isso não se repetirá. Leva-me ao ponto que desejas: dá-me imedia-tamente o golpe que me matará.


— Recebe-o, pois — disse o outro. E, com essas palavras, prepara-se para assestar o golpe fatal. Gawayne não recuou, mas conservou-se imóvel, como se fosse de pedra.


— Agora — disse o Cavaleiro Verde — tenho de ferir-te, pois teu coração é inteiriço.


— Fere — disse o outro.


Então, o Cavaleiro Verde preparou-se para ferir, e dei-xou tombar o machado no pescoço nu de Sir Gawayne. A afiada arma cortou a pele, e o sangue correu. Quando Gaway-ne viu o sangue na neve, desembainhou sua espada, e assim falou:


— Não firas mais, homem! Se me ferires, golpe por gol-pe receberás! Concordamos em que seria apenas um golpe.


O Cavaleiro Verde descansou seu machado, olhou para Sir Gawayne, que se mostrava ousado e destemido, e dirigiu-se-lhe da seguinte maneira:


— Intrépido cavaleiro, não te encolerizes, pois prometi um golpe e já o recebeste. Podes ficar satisfeito, pois eu podia ter-te tratado pior. Ameacei-te primeiro com um golpe, pelo que ficou combinado entre nós na primeira noite. Outro golpe armei para ti, pela segunda noite. Um homem verdadeiro deve retribuir verdadeiramente, e assim não precisa temer o mal. Falhaste na terceira vez, e portanto recebeste este golpe, pois que o cinto, tecido pela minha esposa, estás usando. Sei o teu segredo, e a dádiva que minha esposa te fêz, pois que lhe ordenei que te pusesse à prova, e sem culpa te encontrei. Ainda assim, cometeste um pequeno pecado, pois recebeste o cinto para salvar a pele e por amor à vida.


Sir Gawayne ali ficou; envergonhado, diante do Cavaleiro Verde.


— Malditas sejam — disse ele — a covardia e a cupidez!


Tirou então o cinto e entregou-o ao Cavaleiro Verde, confessando-se culpado de falsidade. Então, o outro, rindo, assim falou:


— Confessaste tão limpamente que eu te considero livre, como se jamais tivesses sido culpado. Dou-te, Sir Gawayne, o cinto debruado de ouro como um testemunho de tua aventura na Capela Verde. Volta ao meu castelo, e fica ali até que terminem as festas do Novo Ano.


— Não, certamente, — disse Sir Gawayne, — pois já me demorei muito tempo fora. Que sobre ti desça a prosperidade. Recomenda-me à tua graciosa esposa, que me iludiu. Mas, embora tenha sido iludido, penso que devo ser desculpado! Deus te recompense pelo teu cinto, que usarei como recordação do meu erro. E quando o orgulho me causticar, um olhar lançado a esta faixa verde o abaterá. Conta-me, porém, teu nome verdadeiro, e estarei satisfeito.


O Cavaleiro Verde respondeu:


— Chamam-me Bernlak de Haut-desert, que é, através do poder da Fada Morgana, o discípulo de Merlin. Ela sabe domar os mais altivos. Foi quem me levou a experimentar a fama da Távola Redonda, esperando desgostar a Rainha Guinever, causando-lhe a morte pelo medo. A Fada Morgana é mesmo tua tia. Portanto, volta para ela, e diverte-te em minha casa.


Mas Sir Gawayne recusou-se a voltar com o Cavaleiro Verde. Despediu-se dele cortesmente, e voltou a cabeça de Gringolet em direção do castelo do Rei Artur. Por caminhos selvagens e lugares ermos cavalgou êle. Às vezes abrigava-se numa casa, pela noite, às vezes tinha de acomodar-se sob as árvores. A ferida de seu pescoço curou-se, mas êle ainda usava o cinto, penhor de sua culpa.


Assim chegou de novo Sir Gawayne, finalmente, à Corte do Rei Artur, e grande foi a alegria de todos, ao vê-lo. O rei e os cavaleiros fizeram-lhe perguntas com relação à sua viagem, e Gawayne contou-lhes suas aventuras, falou–lhes no castelo do Cavaleiro Verde e da dama, e, por fim, do cinto que usava. Mostrou-lhes a cicatriz de seu pescoço, e, enquanto gemia de tristeza e vergonha, o sangue subiu–lhe às faces.


— Eis — disse ele, mostrando-lhes o cinto verde — a Faixa da censura, um penhor da minha covardia e cupidez. Devo usá-la enquanto viver.


O rei consolou o cavaleiro, e o mesmo fèz toda a Corte. Cada cavaleiro da fraternidade concordou em usar um brilhante cinto verde, por amor a Gawayne, que para sempre honrou aquela faixa. Assim aconteceu aquela aventura, nos dias de Artur. Que Aquele cuja cabeça usa a coroa de espinhos possa trazer-nos sua benção! Amén!

Fonte: Maravilhas do conto mitológico. Adaptação de Nair Lacerda. Cultrix, 1960.