Deusa Maat
Quem sou? Para onde eu vou? O que há depois? ...e uma infinidade de perguntas semelhantes a estas povoam a mente do ser humano. Entretanto, somente poucos se dedicam em encontrar alguma resposta.
Estamos imersos em Maat, a Corrente da Verdade e do Equilíbrio, onde todos os seres da Criação devem sentar em seu trono. De onde o homem e a mulher, a natureza e a humanidade, podem conviver com respeito mútuo.
O PALÁCIO DAS DUAS VERDADES
A atividade crucial de Maat ocorria no Palácio das Duas Verdades (Maati), onde os mortos iam para o julgamento final. Primeiro, o falecido deveria proferir uma “confissão negativa” declarando que não cometera pecados ou más ações. Verificava-se então se estava sendo honesto a cada um dos 42 itens confessados. Depois seu coração era colocado em um prato de balança, enquanto no outro estava uma pena de avestruz simbolizando Maat (a verdade). Por vezes era, ela mesma, a balança. Não se sabe com clareza de que forma o coração era pesado para que a alma do morto fosse considerada justa. Sabe-se somente, que se o coração tivesse o peso certo em contraste com o peso de Maat, a pessoa estava justificada.
O coração, portanto, é considerado a "voz" e somente ele dirá para onde deverá ser destinado. Caso não o tenha, a pessoa é lançada a um monstro híbrido temível composto de partes de crocodilo, leão e hipopótamo chamado Ammut, comedor de mortos.
Para os egípcios, o coração não era tão somente um órgão vital do corpo, mas era também a consciência, ou o centro do pensamento. Ele representava a voz de Maat no ser humano, a voz oracular da Ordem Cósmica que rasga o véu e penetra no mundo humano. Entretanto, por essa razão, as palavras do coração tornaram-se um problema para os egípcios, pois ele testemunhava no Palácio das Duas Verdades contra a pessoa. Essa crença era tão forte, que existia até uma prece especial, dirigida ao coração, que era inscrita em um amuleto em forma de escaravelho e depositada no local do coração durante o ritual de embalsamento. Tal prece suplicava que o coração não se levantasse "como testemunha contra mim".
Para os antigos egípcios, o porta-voz oracular da lei da natureza, localizado no próprio corpo do indivíduo, estava muito mais próximo da consciência ordinária do que consideravam os gregos, para quem Gaia e Têmis haviam sido forçadas a retira-se do Delfos e a permanecer nos mundos inferiores, enviando de lá mensagens através dos sonhos. Muito embora Maat falava em nome da ordem cósmica, ela também é "o olho de Rá" e os filhos de Rá sentavam-se nos tronos dos faraós. Deste modo, a lei e a justiça estavam unidas, e os árbitros da ordem natural e da ordem social eram um só, unidos em Maat e no faraó. Por intermédio do oráculo da Deusa, o coração, as leis e os costumes da vida social eram confirmados por uma intuição mais profunda de justiça e integrados nesse nível.
MAAT E O FARAÓ
Algumas vezes, Maat era representada infundindo o hálito da vida nos faraós. Para tanto, suspendia um ankh contra o seu nariz. Hator e outros deuses e deusas também se representavam da mesma maneira, porém só Maat infundia o alento da vida sobre o começo de todas as coisas.
Como princípio divino e como divindade do Equilíbrio Cósmico, Maat era uma força permanente ao lado do faraó aprovado e escolhido pelos deuses. Em última instância, o funcionamento regular e a própria existência e continuidade do faraonato como instituição fulcral da vida egípcia dependiam da atuação de Maat.
Em complemento, a função real devia estar conforme aos desígnios universais que a própria Deusa perseguia, ou seja, a promoção e a manutenção da fecundidade, da prosperidade, da solidariedade e da abastança das Duas Terras, sob todos os aspectos. O faraó devia honrar a Justiça, a Equidade, a Verdade, a Retidão, isto é, a Deusa Maat.
Sentado em seu trono, o faraó trazia em sua mão uma figura da Deusa, diminuta como uma boneca, também sentada, que se oferecia aos deuses como sinal de que o rei representava a ordem divina que não havia sido perturbada desde o dia de sua criação. De forma similar, os juízes levavam sobre o peito um emblema lapis-lázuli que representava Maat. Assim, a ordem social era um reflexo da ordem divina e o governo de cada dia representava o tempo primordial em que Rá, o Sol, pôs a ordem (Maat) em lugar do caos.
Nessa linha de idéias, é compreensível que uma representação recorrente no âmbito da ideologia e da iconografia real seja a oferta de uma estatueta da Deusa Maat feita pelo faraó aos deuses. O rei assume e compromete-se perante as divindades mais elevadas do panteão a zelar maaticamente pela marcha harmoniosa do país, pelo estabelecimento e funcionamento da Justiça, da Paz, do Equilíbrio e da Solidariedade, nas suas vertentes social, ética e cósmica.
"A oferenda de Maat" resume-se, portanto, numa imagem carregada de significado: é o símbolo máximo da atividade litúrgica, que consiste, no fundo, numa sólida relação interativa entre o oficiante e o oficiado. A esfera humana, terrestre, reconhecendo a fragilidade da sua posição no Cosmos, louva e honra os deuses, a esfera divina, deles guardando, em resposta, a proteção, o auxílio, a benção. A Deusa Maat é, assim, a medida de toda a conduta humana. Sem ter culto local específico, ocupava um papel fundamental na vida dos egípcios.
Além da oferenda da efígie da Deusa perante divindades maiores, conscientes da importância significativa da relação com a Deusa Maat, muitos faraós, de vários períodos históricos, incorporaram nos seus nomes a nomenclatura da Deusa. A este propósito são de citar os casos de Amenemhat III, da Xii dinastia, cujo nome de coroação era Nimaetré, ou seja, "Aquele que pertence à Maat/Justiça de Rá" Na XVIII dinastia, faraós como Hatchepsut (nome de coroação: Maetkaré, "A Maat/Justiça é o ka de Rá) e Amenhotep III (nome de coroação: Nebmaetré, "Rá é o senhor de Maat/Justiça") levaram também em consideração este importante vetor na proclamação das suas titulaturas.
Entretanto, muitos outros faraós seguintes denotam este reconhecimento pela ação conjugada que deviam assegurar com a Deusa Maat: Seti I e Ramsés XI (nomes de coroação: Menmaetré, "Estável é a Maat/Justiça de Rá); os Ramsés II, III, V, VII e VIII, que escolheram todos como uma das designações dos seus nomes de coroação Usermaetré, ou seja, "Poderosa é a Maat/Justiça de Rá); Merenptah usava um pujante Hotephermaet, "Aquele que está repleto de Maat/ Justiça" como epíteto associado ao seu nome de nascimento; Ramsés IV preferiu para nome de coroação Hekamaetré, "Soberano de Maat/Justiça como Rá", enquanto que Ramsés VI (como Amenemhat III) optou por Nebmaetré "Rá é o senhor de Maat/Justiça".
Também no Terceiro Período Intermediário, faraós das XXII e XXIII dinastias continuaram a utilizar o mesmo processo (Takelot I, Osorkon II, Chechonk II, Petubastis I, Chechonk III). Até no Período Ptolomaico a tendência se verifica: Ptolomeu VI tinha como nome de coroação Irmaetenimenré, "Aquele que faz reinar a Maat/ Justiça de Amon-Rá); os Ptolomeus VII e XII usavam como nome de coroação Irmaet "Aquele que faz reinar a Maat/Justiça"; Ptolomeu XV (o filho de Cleópatra VII e de Júlio Cesar) não se fez de rogado e adotou como nome de coroação Irmaetenré, proclamando-se assim como "Aquele que faz reinar a Maat/ Justiça de Rá).
Todos esses faraós "amados e amantes de Maat" a viam como uma autoridade suprema, cujo comportamento modelo tentavam, pelo menos ideológica e propagandisticamente, capitalizar na sua onomástica. O próprio faraó "herético" Akhenaton foi descrito como vivendo "de acordo com Maat". Além disso, a maioria dos faraós que usaram o nome da Deusa (designadamente a partir de Ramsés VI) reinavam em períodos de esfacelamento e de decadência da própria civilização faraônica, até da própria instituição real, o que reforça ainda mais a importância e o significado político-mental que efetivamente a Deusa Maat detinha no seio da sociedade e da cultura egípcia.
A DEUSA COMO UM IDEAL A SER ALCANÇADO
Atum (deus supremo) disse: "Quando os céus dormiam eu vivia com minha filha Maat, uma em mim, a outra ao meu redor", revelando o significado da "Dupla Maat": em um nível, a união do sul com o norte (alto e baixo Egito) e, em outro, a união da consciência individual e a consciência cósmica ou universal, para que se crie a harmonia.
Schwaller de Lubicz escreve a respeito:
"O princípio da harmonia é uma lei cósmica, a voz de Deus. Seja qual seja a desordem que o homem ou os acidentes naturais fortuitos possam provocar, a natureza, por si só, voltará à colocá-la em ordem através das afinidades (a consciência que habita em todas as coisas). A harmonia é a lei a priori escrita em toda a natureza: se impõe a nossa inteligência, porém em si mesma resulta incompreensível."
Portanto, Maat era a Deusa através da qual se faziam visíveis as leis fundamentais do universo. Encarna a verdade, a ordem justa, a legalidade e a justiça. Em certo sentido não está separada dos outros deuses e deusas, senão que, como divindade, é o princípio que nos leva à chegar em todos eles.
A Deusa como estado de existência parece abstrair-se da figura da própria Deusa; o que ocorre realmente é que esta distinção (entre Deusa e a ideia) não existem para os egípcios, como tampouco a distinção entre ética e metafísica, nem na vida, nem na morte.
Como se vê, os deuses egípcios não eram pessoas imortais para serem adoradas, mas sim ideais e qualidades para serem honradas e praticadas.
FONTE: texto pesquisado e desenvolvido por Rosane Volpatto
Bibliografia
As Divindades Egípcias - José das Candeias Sales.
Maat, fille de Ré - Bernadete Menu (Artigo)
Maât, L'Égypte pharaonique et l'ideé de justice sociale - Jan Assmann
L'Égyte ancienne - Arne Eggebrecht
O Mundo Mágico do Antigo Egito - Christian Jacq
La religión del Antigo Egipto - Stphen Quirke
O Antigo Egipto - Lionel Casson
The Ancient Egytians - Rosalie A. David
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